Cesar Vanucci*

“Uma das características da política externa é espelhar não só a
realidade atual, mas aquela que projetamos para o nosso país e para o mundo.”
(Celso Amorim, ex-chanceler brasileiro,
criticando o pronunciamento do presidente Bolsonaro na ONU)

Coisas estranhas, acabrunhantes, estarrecedoras, algumas resvalando o grotesco, pipocando na panela de pressão da atualidade brasileira. Atenção focada nos autores das aflitivas encrencas, dá pra perceber, com nitidez, serem bem mais numerosos do que seria legitimo supor os protagonistas deste instante político despossuídos do bom-senso e equilíbrio emocional exigidos para o exercício das nobres funções de que se acham investidos.

É uma história despropositada atrás da outra. Teor sempre chocante. Aqui está uma penca delas. Nem saberíamos garantir se as mais representativas do alentado desfile de absurdidades que se desenrola diante do olhar perplexo da opinião pública.

O presidente da República desperdiça, na tribuna da ONU, chance histórica magnífica de poder transmitir ao mundo uma mensagem que expresse o autêntico sentimento nacional e projete as portentosas possibilidades oferecidas pelo Brasil de se inserir, com presença realçante, no processo global da construção humana. Seu discurso foi conceitualmente equivocado. Em tom belicoso, sentiu-se num comício a angariar votos nalgum lugarejo dos cafundós do Judas onde demoram a chegar notícias sobre questões essenciais ligadas ao desenvolvimento.

Na arenga não reservou uma silaba sequer a um tema precioso para a comunidade internacional, qual seja, a chamada “Agenda 2030”, centrada nos “objetivos de desenvolvimento sustentável” previstos para futuro próximo, ao contrário do que seria de se esperar, naquele preciso instante, de um chefe de estado. “Em compensação”, alvejou ferinamente um líder indígena mundialmente admirado, registro recebido com aturdimento pela qualificada audiência da sessão de abertura dos trabalhos da ONU.

Um dos filhos do Presidente, senador da República, candidato a titular da mais importante representação diplomática brasileira no exterior, emitiu juízo de valor altamente depreciativo sobre as instituições democráticas. Deixou-se ainda fotografar, ao lado do leito do pai, convalescente de cirurgia, exibindo truculentamente um trabuco na cintura. A cena parece extraída de um filme de faroeste. Já o outro filho havia dito pratrazmente, em acintosa manifestação de desapreço à democracia, que bastariam um cabo e um soldado para fechar o Supremo.

O ex-procurador geral da República confessa, em livro de memórias e entrevistas, que em duas ocasiões distintas, carregando no coldre uma pistola, adentrou o recinto da Suprema Corte, com o fito de promover um “acerto de contas”. O “plano” envolvia o assassinato de um ministro, ex-companheiro de outras jornadas e agora “desafeto”, seguido de auto-extermínio. Tudo encaixado no melhor estilo de um drama policial cinematográfico de terceira categoria. O ato demencial não se concretizou, à hora em que o indicador já roçava o gatilho, por razões que a própria razão desconhece…

Da assim denominada Vaza-jato, com sua metodológica e atordoante divulgação, e das pasmosas revelações do ex-procurador geral jorram dados – não suficientemente contestados, ou ainda só timidamente desmentidos, num ou noutro ponto – acerca de manobras inaceitáveis engendradas com fitos políticos, visando a incriminação de alguns cidadãos investigados por suspeita de corrupção.

Atos e pronunciamentos numerosos deixam exposta a exacerbação de egos de vários personagens do universo judicial, notabilizados por maçantes tertúlias diante dos holofotes midiáticos e por questionáveis decisões monocráticas conturbadoras da ordem jurídica. Numa dessas decisões, juiz da Alta Corte obstaculiza a apuração de fato sobre a movimentação irregular de recursos públicos. Noutra, a interdependência dos Poderes é lesionada. Uma invasão policial descabida ocorre em gabinete do Parlamento. Um procurador com vencimentos acima do teto constitucional e um deputado fazem coro, em “chororô” público, para espanto da patuléia, traduzindo inconformismo e descontentamento com os “baixos valores” dos holerites mensais de cada qual.

Um cara qualquer, ligado à Funarte, classifica a classe teatral brasileira de “radicalmente podre”, e chama a maravilhosa atriz Fernanda Montenegro de “sórdida”. Outro cara deprecia a desassombrada Greta Thunberg, que encantou o mundo com sua fala, chamando-a de “anã infeliz”. Em órgãos importantes, como o Iphan, técnicos categorizados são substituídos por apaniguados políticos. Balas criminosas disparadas por agentes públicos cariocas despreparados continuam ceifando vidas inocentes. E nada de punições consentâneas com a gravidade das ocorrências nos sempre “rigorosos inquéritos” instaurados. O atentado à Marielle e assessor continua rendendo notícias fabricadas com interesse procrastinatório. Nada de desfecho à vista quanto aos mandantes. Alguém da equipe das apurações chegou a denunciar a existência de uma “central de mutretas” com a finalidade de espalhar confusão. Quanto ao Queiróz, o insondável mistério que rodeava seu “desaparecimento” acaba de ser desfeito. Ele está com a mãe de um ciclista de Brasília…

Parando por aqui. O jeito mesmo é implorar a misericordiosa interseção da santa padroeira de Romaria, aprazível recanto do Triângulo das Gerais: Valha-nos Nossa Senhora da Abadia da Água Suja!

*Jornalista – (cantonius1@yahoo.com.br)