Gustavo Hoffay*

O mundo torna-se cada vez mais estranho, também ( e talvez principalmente ) sob o ponto de vista de quem o analisa sob o aspecto social. Antigamente o que era conhecido por “justiça social”, hoje é comum ser ditado por aquilo a que pode dar-se o nome de “justiça legal”. Outrora a caridade era uma virtude, hoje ela é muitas vezes praticada em função de benefícios oficiais que podem resultar, digamos, de obrigações tributárias; outrora a caridade era feita de coração, hoje, em muitos casos, ela é fruto de interesses econômicos. Assim verifica-se com mais constância a tendência de transferir do domínio da caridade ou da livre e espontânea vontade para o setor de justiça ou de obrigações sociais, algumas práticas que antes dependiam apenas do bom senso, da boa vontade de pessoas e empresas que doavam-se espontaneamente a favor de uma ou outra instituição. É claro que o governo deve procurar sempre legislar de forma a garantir, na sociedade, a observância de necessárias obrigações decorrentes da natureza social dos homens, mas os valores impostos pela justiça não podem levar pessoas físicas e jurídicas a negligenciarem ou a menosprezarem o valor e a suprema necessidade do exercício da caridade, alma da justiça social. Na honrosa porém humilde qualidade de auxiliar em uma instituição que cuida de pessoas necessitadas sobretudo de amor e calor humano, sempre que tenho oportunidade digo a todas elas e às suas respectivas famílias que dependemos de almas caritativas para a garantia da nossa ordem jurídica e social, de modo a dependermos cada vez menos de frias ajudas oficiais. Por mais de duas décadas no auxílio a pessoas carentes de afeto e para sentir-me com um pouco mais de propósitos que melhorem a vida daqueles que dependem dos nossos serviços, sempre digo que a melhor maneira de ser justo é praticar a caridade sem apego material, deixar-se guiar por Deus e que a justiça com abstração do amor não pode ser tida como tal; entenda-se que a justiça é mecânica, a caridade é elástica e desde que não humilhe quem dela necessita. Shows de emissoras de televisão, com a presença de artistas famosos no intuito de angariar doações que ao final resultam em milhões de reais, certamente são muito bem vindos mas não estão cheios de graça se, por trás dessa boa porem ostentosa intenção, inexiste amor pelo próximo, se não há convicção íntima de quem doa em fazer parte de uma grande e feliz família formando um só corpo em Cristo. Aqui mesmo, em Uberlândia, não me canso de reverenciar o trabalho realizado pela Casa Santa Gemma, ligada à Pastoral de Rua e cujos coordenadores Jack e Ditão estão à frente de uma missão que acolhe com amor fraterno moradores de rua; a sra. Paschoalina, fundadora do Centro Espirita Alfredo Julio Fernandes e reconhecida pelas suas obras de caridade em favor dos mais humildes e a sra. Rosita, fundadora da Casa de Apoio e Fomação ao Menor Nova Canaã. Todos eles e seus respectivos funcionários e voluntários, juntamente com uma pequena multidão de outras almas caridosas, doam-se de maneira amorosa a fraterna em favor de centenas de pessoas necessitadas de atenção e afeto, cuidados especiais e orientações diversas. A verdadeira caridade, sabemos, não pode e nem deve ser vista como a um sinal de superioridade de quem possui ou facilita o acesso a quem não possui; caridade é amor e esse sentimento não está presente em que auxilia visando, unicamente, um reconhecimento popular e que por isso vai ao ar, via satélite, para todo o Brasil; ela é a necessidade que temos por quem não tem o que desfrutamos. Cometeria a maior das ofensas quem destrói, critica ou diminui a pessoa que pratica a caridade com amor, um direito sagrado que temos de fazer uns aos outros. Enquanto o governo necessita colocar mãos à raiz do mal social e por meio de inteligentes reformas consiga diminuir as causas da miséria pública, cabe a cada um de nós, cidadãos comuns, subir os degraus da casa de algum infortunado, ficar à sua cabeceira, sofrer o mesmo frio que ele e arrancar na efusão de uma conversa amiga o segredo do seu coração desolado. Somente assim, depois de tempos na prática dessas virtudes, é que começamos a conhecer os elementos de grandes questões relativas à miséria humana e passamos a ter a gostosa sensação de sentirmo-nos no dever de praticar a caridade com amor, ao contrário de simplesmente lançarmos pânico na sociedade e implorarmos ao governo por soluções que muitas vezes, humildemente, cabem a nós colocá-las em prática: consolo e esperança.

*Gustavo Hoffay
Presidente Conselho Deliberativo da Fundação Frei Antonino Puglisi
Uberlândia-MG