Gustavo Hoffay*

Não faz muito tempo: falar sobre drogas em público e mesmo que apenas em família, era algo tido por difícil, complicado, às vezes censurável, um tabu supremo e, talvez, até maior que a morte. Ainda hoje trata-se de um tema que chega a tocar algumas das partes mais íntimas de uma família, lançando questões sobre comportamento, disciplina, religião, valorização da vida, sobre ações que deveriam ter sido executadas ou evitadas por uma mãe, um pai ou ambos no sentido de proteger um(a) filho(a) ameaçado(a) de ser envolvido(a) pelos poderes daquelas substancias e antes que os seus defeitos e fraquezas o(a) levasse em direção a uma grande depressão, a um abismo…muitas vezes sem volta. É por isso que, algumas vezes, sinto-me pisando em ovos ao falar sobre esse assunto para uma plateia formada por pais e mães co-dependentes (intensa e emocionalmente ligados a um filho usuário de drogas e que apresentam comportamento problemático) . Por outro lado também sinto que se eu não tocar em feridas abertas, deixaria explodir de desespero quem (até inconscientemente) busca por alguma esperança de vida sóbria e bem longe das drogas. A pressão dentro de mim vai aumentando até que haja apenas uma vazão possível: usar da razão. Familiares de usuários compulsivos daquelas substancias alteradoras do humor reagem de maneira muito diferente ao descobrirem aquela trágica realidade dentro de suas próprias casas e desesperam-se ao saber que terão um árduo e longo caminho a percorrer, até enxergarem-se banhados de graças ao abraçar o(a) filho(a) reabilitado(a) e sedento(a) de vida! Sim, o que antes parecia ser impossível e quase invisível, desaparece e renasce na forma de esperança após uma obstinação pelo que, antes, era duvidoso. E a partir daí é vida que recomeça, é renovação que desperta e que é quase impossível parar, enquanto no mundo do dependente químico e da sua família e amigos sinceros acende-se uma chama, uma luz que jamais esperam extinguir-se. E não há mais estrada entre o antes e o agora, mas uma avenida cercada de boas oportunidades, uma benção para ser gloriosamente intensa, produtiva e feliz. Um(a) jovem que abandona o vício pelas drogas experimenta uma nova vida, um despertar que suscita renovação, novas e boas amizades, maior produtividade em tudo aquilo que emprega energia e amor, honestidade, mente aberta e boa vontade de continuar rompendo barreiras e de mãos dadas a todos aqueles que queiram encarar a dura realidade da vida e enfrenta-la de cabeça erguida e peito estufado, de maneira humilde e tendo a aceitação necessária para superar novos obstáculos de maneira absolutamente sóbria e confiante, mesmo sabendo que grande parte da sociedade ainda rotula e discrimina quem superou com suas próprias forças, grandes e naturais adversidades e contrariedades , muitas vezes por desconhecimento total a respeito dos benefícios originados da convivência com uma pessoa que soube reagir, como poucas, diante daqueles e de outros saudáveis desafios impostos em um programa de reabilitação. Para aquele ou aquela que conclui um tratamento pela sua reabilitação desde o submundo das drogas e que persiste na manutenção da sua sobriedade, ainda há, sim, um enfrentamento de resistências no mercado de trabalho e o que, sinceramente, é uma restrição ingênua e baseada no desconhecimento de muito (ou tudo) daquilo que baseia-se um programa de reabilitação: trabalho, fé, amor, persistência, humildade e aceitação, um autocontrole de sua própria vida e aliada a uma forte disciplina. Há pouco mais de vinte anos, quando a minha adicção pelas substâncias alteradoras do humor levou-me ao ponto de total impotência, inutilidade , prostração e arrastou comigo a minha própria família, foi que senti a verdadeira força do amor de amigos e familiares que criaram uma atmosfera na qual pude sentir o tempo tocar a realidade e reconhecer valores que eu antes desprezava. Largar as drogas e abraçar a vida, é possível, é divino, é revigorante, é VIDA, mas há que ter a presença constante do AMOR.

*Dependente Químico Reabilitado, Presidente do Conselho Curador da Fundação Frei Antonino Puglisi e ex-diretor do Conselho Municipal Antidrogas.
Uberlândia-MG