Em tempos de dengue, covid, zika, febre maculosa, quase-golpe de estado, chacinas, racismo, crise social e política etc: como será o amanhã?

Dr. Flávio de Andrade Goulart*

Para tudo o que é citado no título acima a realidade brasileira é muitas vezes avassaladora, de uma forma que nem nos nossos piores sonhos poderíamos admitir. Mas não escapamos, pelo menos da peste bubônica, da varíola e do bócio endêmico? Isso é o que diriam os mais otimistas, mas é pouco consolo. É certo que isto ainda vai passar, mas a cada dia vemos de forma cada vez mais remota a luz do final do túnel (ou seria um túnel no final da luz?). Em todo caso, não percamos as esperanças. Mas que tal começarmos, desde já, a pensar nas transformações que nos aguardam no futuro? Tentarei aqui aprofundar questões da atenção à saúde em relação a um futuro próximo ou remoto. Penso que é preciso distinguir, em tais “augúrios”, o que deriva diretamente da grave situação de saúde que atravessamos, com as doenças citadas acima, daquilo que representa os efeitos de tal panorama sobre a crise social multifacetária que também nos atormenta. Em qualquer uma dessas possibilidades os riscos de piora do que já está ruim não são desprezíveis. Portanto, não nos animemos muito, pois no campo da saúde cabe refletir, acima de tudo, sobre as possibilidades de uma reorganização profunda do mesmo, para que os serviços de saúde tornem de fato adequados a esta era de doenças novas e antigas, para não dizer arcaicas, ao mesmo tempo que sejam capazes de responder adequadamente (ou que façam a sua parte pelo menos) face à crise social geral.
Para começar, caberia superar um enorme gap, que diz respeito àquela legião de pacientes que tiveram suas medidas de controle, geralmente de condições crônicas de saúde, suspensas ou postergadas pela situação pandêmica, seja da covid ou da dengue atual, sendo por isso relegados a uma situação de “invisibilidade”, mas também os sequelados pela covid e ainda aqueles que carecem de atendimento sem que estejam propriamente doentes, como as mulheres grávidas, os idosos, as crianças pequenas e outros.
A questão dos determinantes sociais das enfermidades, como renda, moradia, transporte, acesso a saneamento e educação, que certamente serão processos agravados pela atual pandemia, devem deixar de ser meras abstrações ou postulados apenas genéricos, itens de discursos vazios, para serem incorporados de fato às práticas desenvolvidas nos serviços de saúde, que devem continuar a fazer o que faziam antes, mas ao mesmo tempo enfrentar as novas questões sociais agravadas pelas epidemias e endemias e assim rever e recompor seu arsenal de atribuições, no que se inclui a necessidade imperiosa de trabalhar em interação com outros agentes das políticas sociais.
Com relação a tais problemas, a resposta já foi encontrada nos melhores sistemas de saúde do mundo, qual seja a valorização e a intensificação da atenção primária à saúde (APS) como porta de entrada compulsória e responsável primordial pela coordenação da trajetória dos pacientes dentro de tais sistemas. Isso requer estratégias especiais de acolhimento e acompanhamento de pacientes não só nas unidades da ponta da linha como ao longo do sistema de saúde como um todo. A mera triagem ou vista d’olhos burocrática deve se transformar em real análise da situação dos pacientes, individualizada e baseada em fatores de risco, de modo que todos os pacientes que acorrem aos serviços, sem exceção, tenham suas demandas analisadas, tratadas ou canalizadas e também acompanhadas, de acordo com os atributos da integralidade e da longitudinalidade que compõem o campo da APS. Impõe-se, assim, uma revisão crítica do modelo de atenção, com foco na questão: estamos resolvendo problemas de fato?, o que implica em estratégias de monitoramento, avaliação e aferição de impactos sobre a saúde das comunidades, de forma intensiva e permanente.
A capacitação de novos praticantes (cuidadores domiciliares, de idosos e crecheiras, por exemplo) é fundamental e deve fazer parte da recomposição de serviços acima proposta, com responsabilidades a serem assumidas diretamente pelas equipes, sob liderança da enfermagem, e não apenas transferidas a eventuais centros formadores de RH. Da mesma forma deve ser cogitada a inclusão de novos profissionais nas equipes de atenção primária, seja de forma direta e presencial ou baseada em núcleos de apoio, inclusive à distância, incluindo-se entre os mesmos fisioterapeutas, assistentes sociais, psicólogos, nutricionistas, especialistas em saúde coletiva, educadores físicos, especialistas em negociação de conflitos, terapeutas familiares, comunicadores, entre outros.
Componente fundamental da APS, as visitas domiciliares, devem ser tratadas com especial relevância, não só como fonte geradora de informações essenciais para boas práticas clínicas, como também para acompanhamento direto de pacientes em situações de vulnerabilidade social, em especial dos portadores de sequelas da covid, além de outros, portadores de doenças crônicas, gestantes e lactentes, por exemplo. Além disso, o atendimento em ambientes especiais e extramuros, como por exemplo creches, escolas, fábricas e outras instituições coletivas, além de atividades realizadas diretamente nas comunidades deve ser valorizado e intensificado.
Cabe especial papel às tecnologias de comunicação e informação, o que, aliás, já fazem parte da rotina de muitos serviços de atenção primária e especializada hoje no país, também deve ser aprimorada e intensificada, com o uso de telefones celulares, aplicativos de comunicação, redes sociais, grupos conectados, com numerosas utilizações já testadas e comprovadamente eficazes em termos de cadastramento, educação e promoção da saúde, convocações, consultas à distância e outras formas de contato entre serviços e pacientes. Ainda no campo das novas tecnologias, assume especial importância o trabalho com mapas, físicos ou virtuais, com foco na abordagem por território, além de protocolos e ferramentas de epidemiologia, que devem adquirir uso mais intenso, com a devida capacitação das equipes para tanto.
A saúde não pode ser uma ilha. Cabe superar certo de estado isolamento, passando os serviços de saúde, nos diversos níveis de atenção, a fazer parte de uma verdadeira rede, não hierárquica e com circulação ampla e abrangente de informações entre seus diversos pontos, bem como com outras redes, inclusive extra-saúde. Neste caso a palavra de ordem é: saúde presente em todas as políticas públicas!
E há necessidades ainda mais complexas, mesmo que resolvidas em prazo um pouco mais longo, pois estima-se que para os próximos anos os serviços de saúde devem também se preparar para receber uma nova carga de doenças, para as quais as estimativas, em relação aos anos anteriores, são de acréscimo acentuado e mesmo de aceleração de incidência, aí se incluindo as doenças mentais de diversas naturezas, mas principalmente a depressão, a adição a drogas e o suicídio; a AIDS; as condições ligadas ao estilo de vida (decorrentes do tabagismo e do alcoolismo e do tabagismo); as condições crônicas de maneira geral (diabetes, câncer, artroses, obesidade), além das violências, traumatismos e doenças profissionais em geral.
Isso indica que além das atividades de prevenção e tratamento de enfermidades, a promoção da saúde deve se transformar em ativi dade essencial nos serviços, com componentes de informação e educação; promoção de atividade física e de hábitos saudáveis em termos de alimentação e vida; controle do tabagismo; controle do uso abusivo de bebida alcoólica; e cuidados especiais voltados ao processo de envelhecimento.

*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário de Saúde em Uberlândia – MG

ELEITOR INSATISFEITO PODERÁ PRODUZIR EFEITO IMPREVISÍVEL

Ivan Santos – Jornalista

O presidente Lula enfrenta neste momento uma situação difícil com a inflação dos alimentos da Cesta Básica, principalmente arroz, feijão e óleo alimentício. Uma Cesta Básica tradicional custa hoje perto de R$ 900 e isto é mais do que a metade de um salário mínimo. A faixa da população que só ganha para comprar uma cesta básica e arcar com as demais despesas mensais da família, com certeza hoje não bate palmas para o governo de Lula e do PT.
A população de baixa renda que neste momento enfrenta os problemas causados por uma epidemia de dengue não parece disposta a apoiar publicamente nenhum candidato a prefeito, seja ele da base de apoio ao Governo ou da Oposição.
Não é verdade que a suposta queda de popularidade de Lula se deve a falas desastradas do presidente no Brasil ou no exterior nem do relacionamento com ditadores como Maduro, da Venezuela. A indisposição de parte da sociedade com o presidente está diretamente relacionada com a inflação dos alimentos. As pessoas esperavam que o petista tivesse força política para controlar os preços dos alimentos que os pobres consomem no dia a dia. As perdas dos lavradores no ano passado causaram escassez de alimentos no mercado e os preços subiram. Lula não tem como intervir nos preços num mercado livre. Daí a insatisfação do povo com o governo.
O mesmo fenômeno ocorreu com Jair Bolsonaro. Não foram as polêmicas falas do ex-presidente, nem mesmo a sua conturbada atuação na pandemia, que derrubaram a popularidade dele. Até meados do mandato, o caminho para a reeleição estava bem sedimentado. Segundo dados apurados pela AP Exata, que indicam o sentimento expressado pelos internautas nas redes, foi a partir de julho de 2020 que Bolsonaro começou a perder popularidade.
As eleições de prefeito neste ano vão ocorrer em um momento difícil para os candidatos da base do governo e para os da oposição. Os pobres, desiludidos, irão às urnas sem candidato previamente definido. Cada eleitor poderá produzir um resultado indefinido. Vamos esperar pra ver que bicho vai dar

CAI A POPULARIDADE DO PRESIDENTE LULA

Ivan Santos – Jornalista

A avaliação do governo chefiado pelo presidente Lula, neste momento, está em queda. Quando ele assumiu o governo em 2023 mais da metade dos brasileiros (53% apoiavam incondicionalmente o governo. A outra metade apoiava um mito que ficou sem poder e sem caneta para assinar projetos de benesses. Político sem poder pode nada. O Mito envolveu-se em entreveros com seus adversários reais e imaginários e hoje assume feijão de político trapalhão.
O presidente Lula chegou no fim de 2023, primeiro ano do mandato, com vários erros e acertos e hoje, no primeiro trimestre de 2024 está com a popularidade em queda e crescimento da desaprovação popular do governo.
As previsões atuais para o governo não são boas. Na economia, os dados não são ruins. O crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) foi além do que o governo esperava e chegou a 3% depois de uma cruel pandemia enfrentada pelo governo passado e que deixou a economia do Brasil esfacelada e desorganizada. O governo de Lula encerrou 2023 com a inflação abaixo da meta de 4,75%.
As primeiras pesquisas de opinião pública divulgadas no final do mês passado indicaram que o povão que aprovava incondicionalmente o governo de Lula estava insatisfeito o mal-estar contra o presidente apareceu nas entrevistas das pessoas ouvidas. A causa do mal-estar: os preços da cesta básico. São preços sazonais criados por prejuízos dos produtores, escassez no mercado e especulação dos atravessadores.
O governo não consegue convencer um trabalhador que ganha salário mínimo que o Brasil de que tudo vai bem, quie a economia segue crescendo, se ele tem que pagar R$ 900 por uma Cesta Básica, se um quilo de arroz de segunda custa R$ 40, se um litro de óleo custa os olhos da cara. A inflação dos alimentos está levando a popularidade do governo de Lula para o brejo.
Para piorar o jogo político, neste ano vai haver eleição e o governo precisa ganhar nos grandes centros para fortalecer o projeto de continuar no poder a partir da eleição de 2026. O momento não está bom para o governo do PT e a popularidade de Lula se desmancha rapidamente. Os preços da cesta básica e os baixos salários derrubam os benefícios criados com a abertura de mais vagas no mercado de trabalho. O povão não entende de oscilações na economia.

ORFÃOS E DESCOMBUSSOLADOS

Em tempo de “doido varrido” em que a nossa grandiosa nação vem suportando e devido a um governo que parece contentar-se, unicamente, em expor-se nas redes sociais, viajar, gozar de mordomias diversas, acalentar tresloucadamente a sua indicação a um premio Nobel sabe-se lá de que e lambuzar-se de vaidade quando da inauguração de obras iniciadas no governo passado, surgem os mais variados questionamentos sobre a sua sanidade mental e o exercício de uma presidência que tende, cada vez mais, deter unicamente para si o controle político, social e econômico de duzentos e cinqüenta milhões de brasileiros. Mais uma vez, infelizmente, a nossa amada pátria está em compasso de espera quanto a um controle mais eficaz da inflação e que permita, enfim, degustarmos de uma esperança realmente sensível. Fato é que estamos órfãos de autoridades capacitadas, uma sentida ausência de um governo confiável enquanto encabeçado por uma figura letárgica, vociferante, quase folclórica e cercada de um ministério de duvidosa robustez. Chego mesmo a comparar a atual equipe de Luis Inácio a uma colméia, um enxame zanganeiro constituído por zangões e zangadinhos. Vejo um corpo de ministros quase que absolutamente infértil e formado por pessoas politicamente indicadas, ingênuas e que metem os pés pelas mãos ao cometerem equívocos até mesmo durante alguma entrevista à imprensa mas, logo em seguida, salvas por uma retaguarda marketeira petista e plantonista. Somos vitimas de um (des)governo que preocupa-se, sim, com um objetivo histórico/pessoal e que deixa-se sustentar por uma equipe que embaraça-se em esqueletos de instituições que, antes, serviam de suporte e alavanca na promoção de um substancial desenvolvimento econômico e social, sólido e vibrante. O que ainda faz mover a política e a economia no Brasil é a esperança (sempre ela) de quem ainda acredita em milagres, muito embora o setor agrícola ( incluído-se aí frangos e celulose) venha desempenhando um papel de salvador da pátria. Urge que deixemos a condição de órfãos e partamos para recriar este país e desde que inspirados (todos) na mensagem que vem da nossa sede de desenvolvimento e nunca de um manicômio situado às margens do lago Paranoá, em Brasília. Há sim, um alerta vermelho no ar e sob aparência verde/amarela. E Luis Inácio, a todo custo, continua em suas vãs tentativas de excitar o patriotismo dos conterrâneos, até mesmo valorizando de algum modo o que não há maneira de ser valorizado. Já estamos saturados de mutretas e mentiras oficiais e de um vazio que elas deixam em todos nós. Arrisco mesmo a dizer que já é considerável o numero de petistas não convictos da ideologia do próprio partidão.

Gustavo Hoffay
Agente Social
Uberlândia-MG

A pujança poética na música

Cesar Vanucci*

“Tu pisavas nos astros distraída…”
(Canção “Chão de estrelas”)

A crônica literária registra uma manifestação de Manuel Bandeira, que causou na época em que foi feita, anos atrás, grande surpresa e chegou a provocar polêmica. Indagado sobre quais seriam os mais belos versos da poesia brasileira, o grande vate, sem titubeios, respondeu: “Tu pisavas nos astros distraída”. A resposta colocou no foco das atenções um clássico da MPB, “Chão de estrelas”, de onde os versos apontados por Bandeira foram retirados. Conferiu, também, justo realce a um excelente poeta popular que não frequentava os salões acadêmicos refinados. Orestes Barbosa, coautor da melodia, ao lado do portentoso intérprete Sílvio Caldas.
Arrostando rançosos preconceitos com o veredito proferido, Manuel Bandeira convidou-nos, de certa maneira, com a autoridade de inconteste conhecedor do fascinante oficio de versejador, a aprender extrair das canções populares brasileiras preciosos achados poéticos.
Partilhando dessa certeza de que a incomparável música popular feita no Brasil é repositório de poesia da melhor qualidade resolvi, quando de minha passagem pela Rede Minas de Televisão, abrir espaço especial num dos programas que criei (“Um livro aberto”, dedicado à temática literária) para interpretações musicais do cancioneiro nacional. O canto era acompanhado de comentários sobre os versos das composições. Dentro dessa linha de raciocínio, resolvi também, ampliar a tal coleção de frases, a que fiz alusão em papo recente, com letras de melodias conservadas no enlevo das ruas.
Algumas delas. “A felicidade é como a pluma que o vento vai levando pelo ar; tão leve, mas tem a vida breve, precisa que haja vento sem parar” (“A felicidade”, tema do filme “Orfeu negro”, Vinicius de Moraes e Tom Jobim). / “Mas que bobagem, as rosas não falam. Simplesmente as rosas exalam o perfume que roubam de ti…” (“As rosas não falam”, de Cartola). / “Atire a primeira pedra, ai, ai, ai. Aquele que não sofreu por amor” (Mário Lago e Ataulfo Alves). / “Vê, estão voltando as flores. Vê, nessa manhã tão linda. Vê, como é bonita a vida. Vê, há esperança, ainda” (“Estão voltando as flores”, Paulo Soledade). / “Quem nasce lá na vila, nem sequer vacila em abraçar o samba, que faz dançar os galhos do arvoredo e faz a lua nascer mais cedo” (“Feitiço da vila”, Vadico e Noel Rosa). / “Batuque é um privilégio, ninguém aprende samba no colégio” (“Feitio de oração”, Noel e Vadico). / “Se a lua nasce por detrás da verde mata mais parece um sol de prata, prateando a solidão” (“Luar do sertão”, Catulo da Paixão Cearense). / “Vem, vamos embora, que esperar não é saber. Quem sabe, faz a hora, não espera acontecer” (“Pra não dizer que não falei de flores”, Geraldo Vandré) / “O mundo é uma escola, onde a gente precisa aprender a ciência de viver, pra não sofrer” (“Pra machucar meu coração”, Ary Barroso) / “Fazer samba não é contar piada, quem faz samba assim não é de nada; um bom samba é uma forma de oração, porque o samba é a tristeza que balança e a tristeza tem sempre uma esperança de um dia não ser mais triste não”. (“Samba da bênção”, Vinicius e Baden Pawell). / “Ai! Que amar é se ir morrendo pela vida afora. É refletir na lágrima, um momento breve de uma estrela pura cuja luz morreu” (Serenata do Adeus”, Vinicius). / “Nesta viola eu canto e gemo de verdade; cada toada representa uma sodade” (“Tristeza do Jeca”, Angelino de Oliveira). / “Tu és, de Deus a soberana flor. Tu és de Deus a criação, que em todo o coração sepultas o amor, o riso, a fé e a dor em sândalos olentes” (“Rosa”, Pixinguinha). / “O mar, quando quebra na praia, é bonito, é bonito…” (Dorival Caymmi). / “Você que só ganha pra juntar. O que é que há? Diz pra mim, o que é que há? Você vai ver um dia em que fria vai entrar. Por cima uma laje, embaixo a escuridão. É fogo, irmão; é fogo, irmão” (“Testamento”, Vinicius e Toquinho).

* Jornalista (cantonius1@yaoo.com.br)