Antônio Pereira – Jornalista e escritor – Uberlândia – MG

Joaquim Amâncio Filho, o Nego Amâncio, começou a trabalhar com caminhão em 1929. Em 1934, chegou a Mato Grosso e conquistou para o comércio de Uberlândia aquelas praças distantes que eram abastecidas diretamente por São Paulo através da cidade fronteiriça de Três Lagoas.
Na primeira viagem que fez para Lageado (Guiratinga), trouxe carga para seis caminhões. Por essa época, os caminhões carregavam de duas a quatro toneladas, no máximo. Ele só tinha dois. Arrendou quatro, carregou-os, contratou motoristas e levou-os.
Seu sistema de trabalho era comprar a prazo com seu crédito pessoal, levar, entregar, tirar novos pedidos (sem ganhar comissão), comprar couro seco de boi, arroz em casca, garrafa vazia e trazer. Recebia e pagava depois da safra.
Seus principais fornecedores eram Teixeira Costa, Casa Galiano e Joaquim Fonseca. Artigos dentários comprava no Rodolfo Pereira e medicamentos na filial da Drogaria Alexandre. A matriz ficava em Uberaba, era de Alexandre Santos.
Saia daqui cedinho, pousava na Moeda ou, quando tudo corria bem, na Alvorada. Na ponte Afonso Pena sempre demorava um pouco por causa do Posto Fiscal. Não havendo mais contratempos, chegava a Alto Araguaia com quatro a seis dias. Em época de chuva, gastava até quinze dias. O normal era fazer todo o trajeto de ida e volta em até vinte dias.
As estradas eram um trilheiro. Havia a Companhia Intermunicipal do Fernando Vilela até a ponte Afonso Pena. Daí para frente havia a Companhia Sul Goiana. Eram proprietárias de estradas ruins; pode-se dizer que o que fazia mesmo as estradas eram os pneus dos caminhões. Nego Amâncio dizia que elas eram “picadas com mata-burros nos córregos”. Nos rios mais perigosos faziam pontes. Mas eram pontes frágeis que a todo momento tinham que ser consertadas. Muitas vezes, os próprios motoristas paravam e consertavam-nas. No rio dos Bois eram três lances de ponte, de madeira. Atoleiros demais. Conhecidos. Tradicionais. Os motoristas saiam sabendo onde parariam atolados. Para desatolarem, cortavam mato no cerrado, capim, ramos e jogavam no barro, na frente dos pneus.
Nego Amâncio fazia pião em Lageado. Montou lá um pequeno depósito. Uns oito tropeiros trabalhavam com ele. Cada um com 80 a 120 burros. Dali, esses tropeiros levavam mercadorias para Cassununga, Tesouro, Monchão Dourado, Cafelândia, Batuvi, Acantilado e Estrela. Além dessas corruptelas polarizadas por Lageado, Nego Amâncio atendia Alto Araguaia, São Vicente do Bonito (Alto Garça) e outras cidades.
Quando ele começou, o comércio de toda daquela zona era feito com Três Lagoas, atendido por dois viajantes chamados Antônio, portugueses.
Não sei como, Nego Amâncio conseguiu carrear tudo para Uberlândia, principalmente para o Teixeira Costa – que foi o maior atacadista das primeiras décadas do século passado. É bem possível que sejam as estradas, ainda que ruins, mas que permitiam o uso de caminhões. As mercadorias despachadas de Três Lagoas só seguiam por carros de bois.
O comércio e os transportes de Uberlândia devem muito a esse motorista pioneiro. (fonte: Nego Amâncio).