Antônio Pereira – jornalista e escritor – Uberlândia – MG
Durante o último campeonato mundial de futebol feminino, vencido pela Espanha, a Rede Globo de Televisão, destacou e elogiou o trabalho das pioneiras nesse esporte, das quais infelizmente não guardei nomes nem clubes. Ouvir e guardar é difícil pra mim.
Só que as pioneiras citadas, não foram pioneiras. Foram continuadoras da coragem, do desprendimento, do destemor (podiam ser excomungadas) das meninas de Araguari.
Hoje elas estão em torno dos setenta, oitenta, as verdadeiras pioneiras. São daqui, do Triângulo, e atenderam ao pedido da diretora de uma escola que estava em dificuldade financeira. As meninas vestiram as camisas dos tradicionais rivais daquela cidade: o Araguari e o Fluminense. Os técnicos desses times treinaram-nas. O jogo foi em 19 de dezembro de 1958. Um sucesso, terminou 2 a 1 para o Araguari. Ano glorioso para o nosso futebol. O sucesso foi tão grande que as meninas foram chamadas a jogar em Juca Ribeiro. Tupaciguara também quis vê-las, mas o vigário proibiu, mas foram a Ituiutaba, Goiânia, Belo Horizonte, Salvador. E até o México quis vê-las, mas a lei brasileira impediu. Havia um decreto proibindo mulheres de praticarem esportes incompatíveis com as condições de sua natureza. Quando as meninas de Araguari vieram a Uberlândia, o campo se encheu mais de torcedores do que na visita que nos fez, à época, o Botafogo (com Didi e Garrincha). Mas houve quem não gostasse. O Padre Durval publicou nota na imprensa dizendo que “Futebol Feminino não honra ninguém” e o Diretor do Departamento de Esportes da Rádio Cultura, Eudécio Casassanta Pereira, declarou ao Correio de Uberlândia que odiava o futebol feminino. Pioneirismo é furar barreiras. Acabou.
Voltou essa prática a Uberlândia muito tempo depois quando se afixou, no estádio João Havelange, a placa de “Capital Sul Americana do Futebol Feminino”. Abrigamos, de 9 a 21 de janeiro de 1995, o 2º Campeonato Sul Americano e Eliminatória do Mundial de 1995.
As equipes que participaram foram Brasil, Argentina, Bolívia, Chile e Equador.
Foi assim: o presidente da Futel, Lione Tannus Gargalhone, começou a divulgar as possibilidades do novo estádio João Havelange em abrigar grandes eventos futebolísticos. Quando se cuidou desse Campeonato e das Eliminatórias, a CBF sugeriu à empresa responsável pela organização dos eventos, Traffic Assessoria e Comunicação Ltda, que era associada à Sport Promotion, que usasse Uberlândia. Foram feitos contatos com a Prefeitura e a Futel. Paulo Ferolla, prefeito à época, concordou e colocou a prefeitura à disposição para que tudo corresse bem. O patrocínio foi oferecido pela Refinações de Milho Brasil, já patrocinadora oficial da seleção feminina, mais o Grupo Martins e ABC Algar.
Foi um sucesso, o estádio sempre cheio, com o ingresso custando um quilo de alimento não perecível e mais alguns recordes: o maior público em jogos oficiais femininos no mundo; a maior goleada quando o Brasil venceu a Bolívia por 15 a 0 e, pela primeira vez, um trio de arbitragem feminino, com três brasileiras, atuando no jogo Chile e Bolívia.
A participação do Brasil foi auspiciosa: contra o Equador, 13 a 0; contra o Chile. 6 a 1; contra a Argentina, 8 a 0; contra a Bolívia, 15 a 0. A final, contra a Argentina, deu Brasil, 2 a 0. Fomos bicampeões e classificados para o mundial. Pretinha marcou o primeiro gol feminino no estádio João Havelange e os destaques nacionais das eliminatórias e do campeonato foram Sissi, Pretinha e Roseli.
Fontes: Alberto Gomide, revistas Cláudia e Dystak’s, Relatório de Prestação de Contas da Futel, agosto/94 a março/95.