Marília Alves Cunha – Educadora e escritora – Uberlândia- MG

O sentimento que levou multidões às portas dos quartéis no Brasil inteiro, onde montaram acampamentos, foi muito maior que o incentivado por qualquer liderança, seja quem fosse. Era um sentimento genuíno de gente ordeira, famílias inteiras inoculadas pelo vírus do patriotismo que renascia efervescente na alma do povo brasileiro. Era a vontade de por à mostra esta alma, repleta de valores, cultora das boas tradições e princípios inarredáveis. Um povo e sua bandeira. Nada mais! Um futuro sombrio se desenhava, no qual as luzes da democracia pareciam se esfumaçar… Era preciso mostrar a cara e a união. E dizer não…

Nada ou ninguém impediu aquelas manifestações espontâneas, nada sugeriu que alguma coisa estivesse fora de ordem, nenhuma autoridade se insurgiu contra aquele movimento patriótico que perdurou durante meses. O exército aquiesceu tranquilamente e parecia até, em certos momentos, se solidarizar com os manifestantes. Tudo na mais perfeita ordem, sob a batuta de organização e da paz.

Até aquele dia fatídico, 8 de janeiro de 2023, quando manifestantes que estavam nos quartéis e fora deles se encaminharam à praça do Três Poderes. Alguns nem saíram dos quartéis. Idosos, jovens, homens, mulheres, crianças, com suas bandeiras, suas camisetas verde e amarelo, portando mais que bandeiras e bíblias, amor pela democracia e pela liberdade, sentindo vigor e coragem, por estarem lutando pela defesa da pátria contra o mal que se avizinhava: perseguições insanas, censura, quebra de preceitos constitucionais, autoritarismo, congresso inerte, fraco diante da arrogância de outro Poder. Luta pela democracia e pela liberdade!

Nenhuma arma sequer, nada! Nada que previsse uma baderna, uma sublevação, depredação de patrimônio. Muitos cantavam, muitos rezavam, poucos gritavam palavras de ordem, crianças brincavam, no meio de vendedores de pipoca, picolé, algodão doce. Golpe? Sem armas, sem proteção, com crianças, velhos e algodão doce?

De repente aconteceu o que todos sabemos. Como explicar a balbúrdia instalada? Não há como! Quem é quem nos acontecimentos e na depredação? Não se sabe. Não há provas contundentes, grandes e importantes partes delas foram descartadas extemporaneamente pelo Ministério da Justiça.

Foram todos os manifestantes encaminhados por soldados do exército para dentro de ônibus e começaram alí a viver o pior inferno de suas vidas. Todos, sem distinção. Velhos, jovens, crianças, idosos. Todos, sem distinção, tratados como pessoas de pior nível, terroristas, a palavra que chegou a ser usada…

Pois é, o Sr. CLÉRISTON PEREIRA DA CUNHA (O Clesão) nem chegou a ser um aquartelado. Chegou direto na manifestação. Empresário, trabalhador, 46 anos, casado, pai de duas filhas, de boa índole, vida pregressa sem sequer a mínima infração ao direito, imbuído do mesmo espírito que levara milhares de pessoas à praça do Três Poderes. O Senhor Clériston foi preso, no dia 08/01/23 junto com uma multidão. Prisão em flagrante, sem audiência de custódia, erroneamente convertida em prisão preventiva. Não vale a pena aqui citar os erros cometidos nestas prisões e após, nos julgamentos. Grandes juristas já expuseram às escâncaras estes procedimentos da justiça.

O Sr. Clériston,o Clesão, estava muito doente, acometido de várias comorbidades. Não deveria estar na Papuda. Por 8 vezes seu advogado pediu a liberdade provisória do preso, munido de toda a documentação necessária. Insucessos junto aos 11 ministros do STF. Insucessos diante da poderosa palavra de Alexandre de Moraes, mesmo diante dos provimentos da PGR que solicitavam a soltura do Clesão, pelos motivos elencados nos pedidos.

Morreu o nosso patriota em 20 de novembro de 2023, vítima de injusta decisão. Faleceu alí, morte anunciada, num lugar estranho que nunca frequentara em sua vida proba e honrada. Morreu alí, no meio de estranhos, longe da esposa, dos filhos, dos amigos, do aconchego do lar, saudades imensas guardadas no peito, sufocando… Morreu sem ser condenado, morreu por ser um patriota cheio de sonhos, morreu como preso político, exilado de tudo que amava…

Relativizar a morte do Sr. Clériston como ousou fazer o Ministro Barroso é de uma temeridade ofensiva. Tentar tirar a culpa dos ombros para jogá-la em outros é comportamento covarde, inadmissível a pessoas de bem. Todos da Suprema Corte acataram decisões monocráticas, nenhum empenho se fez em mudar o terrível desfecho.

Eu, cidadã brasileira, capaz, patriota, defensora intransigente da obediência aos preceitos constitucionais e da liberdade, sinto que será necessário viver novos tempos nesta nossa pátria, uma verdadeira e legítima democracia: com eleições transparentes, que não deixem dúvidas ou questionamentos, com harmonia entre os poderes (não submissão), sem perseguições políticas, sem censura ou ameaça delas e, principalmente, com grande respeito ao povo brasileiro por parte de autoridades e políticos. Um povo respeitado saberá, logicamente, respeitar sem ameaças ou interferências. E para quem não sabia, fiquem sabendo agora: legitimamente, o único detentor da soberania nacional é o povo. O POVO É A MAIS IMPORTANTE INSTITUIÇÃO NACIONAL!

Cidadão Clériston Pereira da Cunha, esteja em paz agora. Espero que sua morte não tenha sido em vão. Espero que o seu sacrifício seja um baluarte a alçar novos e melhores caminhos para este Brasil e que muitas consciências afrouxadas repensem seus propósitos e tenham a dignidade de encontrar melhores e mais legítimas maneiras de conduzir as nossas instituições. Não será difícil. Está tudo inscrito na Constituição Federal do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988 e destinada a ser uma Constituição Cidadã. Que a guardemos com honradez e respeito todos nós e principalmente aqueles que, por lei, têm a obrigação de serem os seus fiéis guardiões.