Marília Alves Cunha – Educadora e escritora – Ubwerlândia – MG

Estávamos acostumados a viver num país democrático ou, pelo menos, tentando ser democrático. Apesar das dificuldades, dos atropelos, das grandes desigualdades existentes, podíamos dizer e agir com liberdade. Aquela liberdade inscrita na Constituição e que nos dá o direito de expressão, opinião e manifestação.

Bem, parece que a coisa vem mudando aos poucos e nos assaltando em nossos legítimos direitos. O Sr. Luiz Inácio (Lula) da Silva, afirmou que a democracia é relativa. Adjetivou a democracia. Não explicou este relativismo porque não soube ou porque não quis. No dicionário e respeitando o contexto, podemos dizer que relativizar uma coisa é torná-la casual, fortuita, acidental. Por exemplo, manter estreitas relações com ditaduras e apoiá-las abertamente, inclusive com recursos materiais advindos do povo é democracia relativa? Seria por exemplo impor sigilo a gastos governamentais, sendo que a transparência é traço forte de uma democracia? Não respeitar o teto de gastos e desrespeitar a nação, turistando mundo afora com despesas absurdamente altas e desnecessárias seria a tal de democracia relativa? Governar contra os interesses do povo, seria?

Não existe democracia relativa. O que foge aos seus desígnios não é democracia, nem se for inventada pelo gênio de alguém para satisfazer os seus propósitos.

Um Ministro do STF, o Sr. Alexandre de Moraes também inventou de adjetivar a democracia. Chamou-a de “democracia defensiva”. Preocupante! O que seria isto? Interrogatório padronizado e restrição de defesa dos presos de 8 de janeiro seria a tal democracia? O Ministro, em fala na Alemanha, condenou o discurso de um movimento populista baseado na ideologia de “extrema direita”. Ponderou que houve uma lavagem cerebral para que as pessoas desacreditem nas instituições, na democracia. Condenou o crescimento da ‘’extrema direita’’ e falou em combatê-la. Seria “democracia defensiva” uma Corte Superior postar-se abertamente de um lado, numa atitude claramente política? E falar em combatê-la? Um outro Ministro, numa reunião da UNE, com bastante entusiasmo gritou : “Derrotamos o “bolsonarismo”. Isto é democracia defensiva? Abrir inquéritos “do fim do mundo”, que não acabam nunca e vão apenas acrescentando pessoas, democracia defensiva? Desrespeito ao princípio da separação de poderes, ao principio da legalidade e da liberdade de expressão, podemos chamar de democracia defensiva? Censura à imprensa, à políticos e cidadãos comuns, seria democracia defensiva? E outras tantas atitudes do STF que seguem ao contrário do que é ligado aos princípios e normas contidos na nossa CF, poderíamos chamar de democracia defensiva?

Um comentarista de TV fez uma analogia interessante: um bom juiz de futebol é aquele que arbitra o jogo de maneira simples e natural, corretamente, sem querer aparecer mais que os jogadores. Terminado o jogo, desaparece. Cumpriu seu papel, sem estardalhaço. Ninguém se lembra mais dela. O mau juiz, ao contrário, faz tudo para aparecer. Está presente em todas as jogadas, faz gestos com os braços, apita sem parar, marca faltas inexistentes, pode ser quase confundido com um dos jogadores, quer aparecer, a todo custo, mesmo que desrespeitando as regras do jogo. Faz com que, ao fim, todos se lembrem dele com menções desrespeitosas. Apenas uma analogia…

O que penso sobre democracia? Externei este pensamento há muitos anos, num texto escrito para o Correio de Uberlândia, quando nem pensava ainda que ousariam, um dia, fatiar a democracia:
“Democracia não se relativiza, não depende de solo, de decisão de governos, não difere se é daqui ou de outro lugar. Democracia é democracia. É o lugar da cidadania, da liberdade de expressão, da aceitação de opinião dissidente, da independência dos poderes, da alternância de poder, do diálogo franco e transparente, sem chantagens, ameaças, pressões que acabam por surrupiar a credibilidade dos governos. Democracia é liberdade”.

Marília Alves Cunha