Dr. Flávio de Andrade Goulart*

Leio na página web da SES-DF que o tema da judicialização da saúde motivou, no dia 15 de
agosto último, um encontro de gestores da Saúde com a Defensoria Pública do DF, através de uma Câmara Permanente Distrital de Mediação em Saúde, na busca soluções para demandas encaminhadas à Justiça pelos usuários do SUS no Distrito Federal. Tal órgão, existente há uma década, tem como missão intermediar tais demandas por serviços e produtos de saúde pública, além de evitar ações judiciais no setor. Fiquei sabendo, também, através da mesma matéria, que em média são recebidas mais de uma centena de solicitações de ajuizamento por dia. É muita coisa! Mas afinal de onde vem tal prática? Isso seria vantagem ou prejuízo para os usuários e para o sistema de saúde? Penso que caberia refletir um pouco sobre tal questão), complexa, sem dúvida, como aliás quase tudo que diz respeito à saúde dos indivíduos ou da população como um todo. Há um lado positivo, sem dúvida, o da garantia judicial de que as pessoas recebam o que lhes é de direito, pois, afinal, está escrito na Constituição, com todas as letras, que “saúde é um direito de todos”. Esta é a parte boa da história, mas receio que ela nem sempre seja utilizada para o bem. Como assim, acaso poderia ser para o mal? Infelizmente a resposta é positiva, pois muitas vezes, na ânsia de não serem presos ou processados pelos juízes, os Prefeitos e Secretários de Saúde, fazem malabarismos contábeis para comprar remédios sofisticados ou mesmo procedimentos onerosos sem licitação ou quaisquer regras regulamentares, só para atender a determinação judicial. De tal ilícito poderiam até serem inocentados pelos mesmos juízes, mas o mal não está só nisso. O problema é que juízes podem entender de Direito, mas não de Medicina ou Farmacologia… E a questão principal é: dinheiro não é feito de elástico e em ambientes de escassez, como geralmente acontece na Saúde, quando você puxa de um lado, há de faltar em outro. A famosa regra do cobertor curto… E do lado em que ocorre a falta também ocorrem problemas graves, deixando pacientes sem medicamentos, diárias de UTI não cobertas, leite especial para recém-nascidos não fornecido – por exemplo. Isso sem falar do custo que os processos judiciais têm para a própria Justiça, que mesmo rica como é no Brasil (embora morosa), também diz sofrer por falta de recursos. Temos que discutir isso.
Para esclarecer melhor o assunto, andei fazendo uma pesquisa sobre o tema da Judicialização da Saúde, e resumo aqui algumas dessas observações, com a lista de links ao final (acessar link).
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Mas é preciso deixar bem claro que eventuais críticas ao Judiciário, como no caso presente, devem ser consideradas totalmente distintas, em qualidade e grau, daquelas que o bolsonarismo, em sua vulgaridade e irracionalidade, costumeiramente propaga. No caso da Saúde é preciso, sobretudo, buscar um ponto de equilíbrio, de forma negociada e democrática, distante daquele um jipe, dois soldados e um cabo que um dos zero-qualquer-coisa evacuou oralmente em um evento público. Mas de toda forma não custa lembrar que: (1) orçamentos públicos não são feitos de látex – e é impossível que suas excelências não se deem conta disso; (2) Juízes devem entender de leis, não necessariamente de Saúde – embora o exercício do bom senso devesse ser uma obrigação também deles; (3) a fartura de recursos, em termos de salários e instalações de que dispõe o Judiciário, pelo menos em comparação com o Poder Executivo, parece fazer com que seus agentes se esqueçam de que a situação em outras áreas de governo, principalmente as de atuação social, não usufruem, nem de longe, de prerrogativas de tal ordem.

*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário municipal de Saúde em Uberlândia e é sobrinho do poeta Carlos Drumonnd de Andrade