Dr. Flávio de Andrade Goulart *

Com algum estardalhaço, se bem que merecido, Lula lançou há poucos dias um amplo e variado programa de governo, denominado de “Novo PAC”. Esta vez ele não nomeou uma “Mãe do PAC”, como fez com Dilma e que acabou dando no que deu. Mas agora, sem dúvida, a pater(mater)nidade é de Luiz Inácio. Por ora, digo que “melhor do que isso só se for verdade” por motivos que exporei adiante, pois admito que na saúde, pelo menos, o que está posto é muito bem-vindo. Aliás, a nossa área quase foi liquidada na gestão(?) de sucessivos mandatários incompetentes nos últimos seis anos, com o preenchimento de cargos técnicos com um batalhão de capitãs e capitães cloroquina de variada patente e escassa qualificação. Sem falar do descrédito lançado sobre os programas de imunização e outras ações de governo; a restrição de recursos a programas estratégicos; as propinas na compra de insumos; a prescrição de remédios sem efeito; as perdas derivadas de armazenamento de insumos sem qualquer controle; a sonegação de informações colocadas sob sigilo de um século; as idas e vindas das autoridades; além do maior escândalo de todos, este de proporções verdadeiramente bíblicas (literalmente…), qual seja a condução desastrosa e até mesmo criminosa, por premeditada, que marcou as ações do Governo Federal na pandemia de covid. Assim, é preciso contar com muita competência, resiliência e pertinácia do atual governo para corrigir tanto desmantelamento. É o caso de se falar em recomeço ou mesmo reconstrução, mais do que retomada, reação, recuperação ou mera reavaliação. Mas vamos ver o que está anunciado neste Novo PAC.
Na área da Saúde, a meta é de fato ambiciosa, apontando para a universalização dos serviços fundamentais, obedecendo finalmente a Constituição, embora tenham sido passado 35 anos de ela ter sido promulgada. Há uma previsão de investimento total de R$ 31,5 bilhões até 2027, dependendo, é claro, de quem virá depois do atual governo. Vamos bater na madeira: toc toc toc. A proposta é ambiciosa, vejamos: devem ser acrescentadas ao atual sistema nada menos do que 3,6 mil Unidades Básicas de Saúde; 356 Unidades Odontológicas Móveis; SAMU em 1,6 mil municípios; 90 Policlínicas; 60 maternidades e 90 Centros de Parto Normal; 15 hospitais estaduais; 200 Centros de Atenção Psicossocial; 50 Centros de Reabilitação (CER); 15 oficinas Ortopédicas, além de 40 aceleradores lineares para tratamento de câncer.
Mas tem mais: as teleconsultas alcançarão 6 mil UBS e nas 90 novas Policlínicas, com 52 Núcleos de Telessaúde; a preparação para Emergências Sanitárias, dado o terrível exemplo da Covid, será aprimorada. Fala-se também de fortalecimento da cadeia de produção de imunobiológicos, fármacos e equipamentos, com a construção de um grande centro de produção de produtos biológicos, no Campus Santa Cruz Fiocruz), o maior da América Latina. E ainda novos hemocentros e núcleos de hemoterapia, com ampliação de institutos e hospitais federais, como INCA, Grupo Hospitalar Conceição e outros.
Sobre tudo isso, Lula, no seu messianismo habitual, disse: o Novo PAC vai contribuir para liberar nosso extraordinário potencial, tantas vezes desprezado e represado na história. Com saúde e inclusão para crescer, vamos pensar não no que falta ao Brasil, mas no Brasil que falta para que realizemos todo o nosso potencial.
É o que todos desejamos, Presidente!
Não custa nada recordar o que eu já tinha dito aqui no blog sobre os desafios do novo governo, desde o final do ano passado, conforme pode ser lido no link https://saudenodf.com.br/2022/11/09/guerra-vencida-nem-tanto-quase-tudo-por-recomecar/
Mas quanto àquele melhor ainda se for verdade dito acima é bom lembrar que este é um governo que mais se parece à Hidra da mitologia grega, ou seja, é um dragão de muitas cabeças que não estão nem aí para os interesses reais do povo brasileiro, mas sim de seus negócios e currais eleitorais. Haja um Novo Hércules para matar tal monstro e fazer este Novo PAC andar…
E afinal, por que me recuso a ser totalmente otimista com o tal Novo PAC? O problema é a famosa “distância entre intenção e gesto”… É que entre o voluntarismo de Lula, com aquele lançamento de gala no Theatro Municipal do Rio e a chegada dos benefícios do programa até os quatro cantos deste Brasil há uma longa série de obstáculos. Pode faltar o dinheiro que hoje é tido como certo; podem ocorrer outras intercorrências financeiras e fiscais; as contrapartidas dos estados e municípios (por exemplo, disponibilização de terrenos para obras) podem não acontecer. Enfim, os cardeais da política que se apossaram do presente governo, sob a forma de uma verdadeira Hidra de Lerna (como já o fizeram antes), podem achar que não é bem assim que as coisas devem caminhar…
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Entrevista com Henriqueta Camarotti
Nossa habitual colaboradora, a Dra. Henriqueta Camarotti, vai mostrar, em novo livro de sua autoria, os detalhes de sua proposta para uma abordagem inovadora e profunda do sofrimento físico e psíquico das pessoas, a Terapia Transessencial. Acompanhem:
• BOM DIA, HENRIQUETA, FALE UM POUCO DE SI MESMA…
Sou médica, formada pela Universidade Federal de Pernambuco, com uma primeira especialização em Neurologia e depois em Psiquiatria, dentro da qual me dediquei a abordagem de Gestalt-terapia. Ao longo de minha vida profissional me encontrei também com a chamada Terapia Comunitária Integrativa, à qual venho dedicando grande atenção. Eu me considero, acima de tudo, uma pessoa bem curiosa e com isso tenho atuado em frentes diversas, tais como, o MISMEC-DF (Movimento Integrado de Saúde Comunitária do DF), a ONG Fraternidade Sem Fronteiras, a Escola Internacional Nova Acrópole, o Comitê de Saúde Mental e Espiritualidade/CABSIN, além de participar como docente e pesquisadora do Núcleo CAFE (Ciência-Arte-Filosofia e Espiritualidade) do CEAM da Universidade de Brasília. Mantenho também, há 40; anos, um consultório de atendimento em psiquiatria, associadas a outros colegas psiquiatras.
• E SOBRE ESTA TERAPIA TRANSESSENCIAL, O QUE VC PODE NOS DIZER, PARA INÍCIO DE CONVERSA?
Antes de tudo, é uma modalidade de tratamento e alívio do sofrimento físico-emocional-espiritual. Trata-se de uma abordagem psico-consciencial-espiritual que se apoia nos seis campos da essência humana, tendo como focoa autotransformação da pessoa que sofre, integrando conhecimentos de diversas ciências, além dos ensinamentos filosóficos de várias épocas, inclusive de civilizações antigas. O pressuposto é de que se pode integrar todo esse manancial para servir de base para reflexões e práticas de superação das doenças, de promoção da saúde e de qualidade de vida, dentro da perspectiva da evolução do ser humano e do Ser-Humanidade.
• ESTA FORMA DE TERAPIA SERIA APLICÁVEL SOMENTE AOS PROBLEMAS PSÍQUICOS?
Não é bom assim. Esta abordagem foi desenvolvida para servir de referência e guia de trabalho no atendimento a pessoas em sofrimento, seja de natureza física, emocional, social, ou espiritual, por doenças físicas, transtornos psíquicos ou sofrimento na vida geral. Ela também se aplica às pessoas que desejam desenvolver o autoconhecimento, promover a autotransformação e alcançar uma vida de mais qualidade e bem-estar.
• VP PODERIA ENUMERAR PARA NÓS QUAIS SÃO OS PRINCÍPIOS GERAIS DA TTE?
Sim, claro. São eles: a pessoa é o próprio agente da sua cura; não existe cura sem autotransformação e, a relação terapeuta-paciente, médico-paciente, cuidador-pessoa cuidada deve ser baseada na empatia, compaixão e confiança mútua.
• DE ACORDO COM SUA VISÃO, COMO DEVE SE DAR A RELAÇÃO ENTRE TERAPEUTAS E PACIENTES?
A prática da TTE pressupõe um fluxo da essência entre terapeuta e paciente, ou seja, um movimento de crescimento interpessoal de todos envolvidos no processo de superação do sofrimento. Significa uma concepção baseada na fluidez da essência e do potencial de interação entre cuidador-participante, com vistas a dinamização do tratamento e a otimização da superação. A proposta de superação e de cura está intrinsecamente relacionada à capacidade da pessoa de reformular sua vida psíquica e reeditar sua transcrição gênica e epigênica, ou seja, refazer o caminho e reestruturar suas células, corpo e emoções para novos padrões de comportamento. Assim, o terapeuta transessencial (TT) acolhe a pessoa em sofrimento por dores decorrentes de perdas, questões sócio-culturais, enfermidades e outros fatores. Este terapeuta compreende que seu cuidado com o outro não se restringe à jurisdição físico-biológica, pois a essência humana é pluridimensional e se conecta com as várias dimensões com o outro e com o grupo humano.
• MUITOS DIZEM QUE O SOFRIMENTO MENTAL COSTUMA SER CONTAGIOSO, AFETANDO NEGATIVAMENTE TAMBÉM OS TERAPEUTAS E CUIDADORES. COMO VC VÊ ISSO?
Para mim não é bem assim. Eu na verdade me realizo com tal abordagem, pois sinto que acolher pessoas e escutá-las é um verdadeiro deslumbramento, porque percebo e acolho a diversidade da existência humana, através dos infinitos jeitos de ser, de posturas, de crenças diante da vida e de visão de mundo. Esse caleidoscópio infindável de arranjos e rearranjos me alimenta de experiências humanas extremamente ricas, o que acaba por estimular a trajetória da minha própria vida pessoal.
• VOCÊ FALA MUITO EM “NOVA CIÊNCIA” “CIÊNCIAS EMERGENTES” E COISAS PARECIDAS. EXPLIQUE ISSO MELHOR.
A Terapia Transessencial, de fato, é baseada nas novas ciências ou ciências emergentes que visam compreender a mente humana como fenômeno transicional para um estado de consciência com propriedades transcendentes e quânticas. Estas disciplinas representam um modo de compreender a realidade de forma diferente, para além do entendimento do Universo como simples matéria, espaço e tempo. Buscam também uma aproximação aos chamados campos sutis existentes na natureza. No campo do psiquismo, são aprofundados temas importantes, tais como consciência, relação do psiquismo com o mundo quântico e conexão com a espiritualidade. Os filósofos da ciência denominam esse conjunto de propriedades de consciência como coerência quântica e estado de in-formação não-local. Cito aqui alguns exemplos das ciências emergentes, que estão relacionadas à base teórica da TTE: física quântica, em especial o fenômeno da transmissão não local; nova biologia; nova cosmologia; teorias das cordas e supercordas; teoria do universo consciente; metenergia; teoria holográfica; teoria integral do tudo, ou paradigma Akashico de Ervin Laszlo e a concepção do campo in-formacional como link entre todas os fenômenos do Universo. Em especial, o estudo da epigenética, que vai além da determinação da herança genética; a inteligência celular, que estuda o mecanismo da célula e o comando das reações químicas através da interação entre os receptores da membrana e o DNA localizado no núcleo celular; e, finalmente os conceitos pautados na teoria dos campos morfognéticos de Rupert Sheldrake e das moléculas da emoção de Candace Pert, cujo ambos representam modelos que substanciam a unidade mente-corpo. Assim, eu diria que a proposta da TTE integra conhecimentos não só das diversas ciências que sustentam a medicina ocidental moderna, mas também aquela de origem oriental ou tradicional, incluindo ainda conhecimentos da filosofia de várias épocas e de antigas civilizações.
• É ESTE, ENTÃO, O FOCO DO LIVRO QUE VOCÊ ESTÁ LANÇANDO?
Este livro representa um guia didático de trabalho destinado a profissionais do cuidado, sejam médicos, psicólogos, enfermeiros e terapeutas de diversas áreas, além de familiares e outros interessados. Pessoas que desejam desenvolver o autoconhecimento, autotransformação e alcançar uma vida de mais qualidade e bem-estar também tirarão proveito dessas páginas. Resulta, enfim, de mais de quatro décadas de minha atuação nos campos da neuropsiquiatria e da psicoterapia.
• QUANDO SERÁ LANÇADO?
Ah, bem lembrado! Será no dia 28 de setembro próximo no Centro Cultural de Brasília, no início do L2 Norte. Já combinei com o Flavio para colocar um lembrete aos leitores aqui.
• VOCÊ GOSTA BASTANTE DE ESCREVER, NÃO É? DÊ PARA A GENTE UM PANORAMA DO QUE JÁ ESCREVEU.
Sim! Com prazer farei isso. Vou deixar uma lista de títulos bem como de links de acesso aos meus livros.
1) Resiliência: o poder da autotransformação. Publicações Flor da Manha, 2013
2) Consciência Autocurativa: como utilizar seus mecanismos psicocerebrais para alcançar a cura. Publicações Flor da Manhã, 2015
3) Superando a Depressão à Luz da Terapia Transessencial. Editora APPRIS, 2018
4) Sete Passos para a Autocura. Publicações Flor da Manha, 2019
5) Autotransformação e Cura. Terapia Transessencial: uma visão integral do cuidado humano. Publicações Flor da Manhã, 2023
6) A Terapia Comunitária Integrativa no Cuidado da Saúde Mental. Publicações Flor da Manhã, 2013.

*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário municipal de Saúde em Uberlândia e é sobrinho do poeta