Gustavo Hoffay*

Até internar-me voluntariamente naquela comunidade para a reabilitação de dependentes químicos e oficialmente reconhecida como tal pela então secretaria municipal de Ação de Social de Uberlândia – no distante ano de 1.996, passei um longo período da minha vida sem conhecer-me verdadeiramente. Sequer imaginava-me na condição de um ser produtivo e de fato profícuo em meus deveres profissionais, reconhecido como tal , mesmo considerando o fato de já ter ocupado funções de confiança enquanto servidor público municipal e estadual e ter sido aprovado em um concurso público para provimento de cargo no ministério da Justiça. Objetivos de vida…para que e porque, se o álcool bastava para servir-me de prazeres imediatos? Porém recluso em mim mesmo e habitando um mundo absolutamente sombrio, acomodado e distante de qualquer realidade, um dia passei a sentir as minhas pernas fraquejarem a cada tentativa de dar um passo à frente. E era justamente nesses momentos que eu tornava a recorrer às muletas que eu, ilusoriamente, imaginava sustentarem-me: o álcool e ocasionalmente outras drogas. Naquelas substâncias eu contemplava sempre o caminho mais curto para chegar a um mundo irreal, fantasioso e portanto muito distante de tudo e de todos que amedrontavam-me, por exigirem muito mais do que estava disposto a oferecer. Envolvia-me sempre mais com pessoinhas peçonhentas, em lugares que serviam de fonte para saciar a minha sede drogatícia, sem qualquer objetivo nobre de vida que não fosse uma busca impulsiva por prazeres imediatos e mesmo ciente dos seus terríveis efeitos futuros. Da maneira de todos que compartilhavam comigo daqueles danosos e efêmeros prazeres, eu também deixava-me levar por ilusões de uma vida fácil; envolvia-me sempre mais em fantasiosas e fugazes satisfações originadas de produtos entorpecentes e estupefacientes, mesmo que por brevíssimos períodos. Tudo o que eu havia conquistado em termos de educação, moralidade e religiosidade em tempos de sobriedade e enquanto ocupando bons cargos em grandes empresas, eu mesmo encarreguei de destruir enquanto insistia apenas em sonhar; mas logo surgiram os pesadelos, materializados em severas realidades. Eu já não caminhava; eu rastejava. E após os efeitos momentaneamente prazerosos daquelas danosas substâncias psicoativas, eu sentia descer a abismos onde dores atrozes martirizavam o que ainda restava da minha consciência. Em raríssimos e breves momentos de sobriedade, conseguia sentir-me abendiçoado por lufadas que faziam-me vislumbrar novos tempos e protegendo-me de das armadilhas que poderiam surgir e induzir-me a novos pesadelos, tropeços e quedas; urgia assumisse-me na condição de homem em busca da minha própria e integral reedificação, despojasse-me definitivamente de um imaginário ao qual apegava-me na buscas por prazeres instantâneos e passageiros. Encaminhado pelas mãos da minha esposa Eliane àquela comunidade terapêutica, descobri finalmente que seria necessário atirar-me à vida com muito fôlego e força de desejo, usando meus dois braços para envolver a maior quantidade possível de tudo o que pudesse servir-me de ferramenta para abrir e enfim desfrutar de novos caminhos e felizes jornadas, abraçando e deixando-me envolver pela vida em uma forte afetividade, como se ela fosse uma linda e adorável amante. E para tornar-me um homem de fato, aprendi naquela comunidade o poder da aceitação por meio da humildade, mesmo quando envolvido por algumas situações desagradáveis, às vezes humilhantes, quase que intoleráveis, porém todas muito necessárias para fazerem-me sair de um casulo inútil e doentio. Neste mês de julho eu completo vinte e seis anos de sobriedade e sinto-me cada vez mais inclinado a continuar doando-me no sentido de orientar a muitos quanto a necessidade de precaverem-se das tentações originadas a partir das drogas lícitas e ilícitas ou mesmo atendendo ao clamor de quem necessita e realmente deseja caminhar pela mesma trilha onde deixei rastros de otimismo e esperança, deixando para trás um mundo de traiçoeiras tentações e fantasias e partindo ao encontro de uma vida deliciosamente desafiadora e dinâmica. Além de ter restaurada a minha saúde física e mental, ganhei de Deus uma filha maravilhosa e por ela agradeço a Deus todos os dias. A vida continua e pretendo continuar saboreando-a um pouco mais a cada novo dia, sóbrio e na companhia de quem mais amo na minha vida: eu mesmo. Drogas nunca mais !

*Ex-diretor Fundação Giuseppina Saitta
Ex-Presidente Cons. Deliberativo Fund. Frei Antonino Puglisi
Ex-Diretor Conselho Municipal Antidrogas
Palestrante e Dependente Químico Recuperado