Ana Maria Coelho Carvalho – Bióloga – Uberlândia – MG – anacoelhocarvalho@terra.com.br

Assisti a um ótimo filme chamado “Grandes Olhos”, um drama real sobre a pintora Margaret Keane, que fazia pinturas incríveis e únicas de meninas com olhos muito grandes e tristes. O filme mostra o despertar da artista e a sua luta contra o marido, na maior fraude da história da arte, pois ele se dizia autor das obras da esposa e o mundo todo acreditou.

Nem sei porque, associei o filme com os olhos assustados e espantados que presenciei em cenas que aconteceram em uma nossa viagem em família. Fomos, num grupo de oito pessoas, visitar a filha que mora na praia de Algodões, BA. Lugar lindo, mas difícil de chegar, com estrada de terra esburacada. Como o trajeto final foi o mais difícil e na escuridão da noite, com o motorista um pouco perdido e com medo de assalto, o grupo já chegou de olhos assustados. Na hora de dormir, o Zé, meu finado marido, precisava de uma tomada para ligar o aparelho que usava para respirar melhor e não roncar. Encontrada a tomada, não foi possível combinar o local da mesma com a cama e o cortinado usado para evitar a multidão de pernilongos. Emendou-se duas camas, deu certo e ele se esparramou. No dia seguinte, estava com os olhos espantados: as camas se separaram, ele caiu no chão e ficou enrolado no cortinado e nos fios do aparelho. Primeiro tombo. Na noite seguinte, fomos comer pizza feita no forno de lenha, na pizzaria simples ao lado da casa da filha: mesas e bancos rústicos debaixo de árvores, chão de areia, velas, redes e um charmoso cão labrador. Num mesmo banco grande, cinco pessoas sentadas. Sem nenhum aviso prévio, o banco velho e carcomido pelo tempo foi vergando devagarzinho, quebrou-se e todos caímos com olhos espantados. Rimos muito, menos o netinho que estava no meu colo e caiu em prantos. Segundo tombo do Zé. No outro dia, quando íamos pelo caminho que chega até a praia, chegamos a uma ribanceira alta, de areia e escorregadiça. Avisei ao Zé que ele não conseguiria descer por ali, que iria cair e eu não conseguiria segurá-lo. Teimoso, disse que era fácil. Escorregou de ponta cabeça, dobrando o joelho operado havia pouco tempo. Olhos assustados novamente. Terceiro tombo. Na sequência dos acontecimentos, estragou a bomba que retira água do poço para mandar para a casa da filha. Assim, passamos a tomar banho de canequinha, esquentando água no fogão. O Zé se recusou a tomar banho tão primitivamente. Preferiu usar o chuveiro do quintal do vizinho. Porém, certa noite, depois de limpinho, com uma lanterna que não iluminava muito bem, trombou num formigueiro numa árvore. Formiga entrou pelos “zóio, zoréia e zovido”. Não foi tombo, mas foi pior. Olhos assustados outra vez. Falou que nunca mais voltaria na Bahia …

Outras cenas que causaram espanto aconteceram na ceia de Natal, neste mesmo ano da viagem à Bahia. Moro no terceiro andar e resolvi fazer a ceia de Natal no décimo terceiro andar, no salão de festas do meu prédio. Fiquei presa no elevador duas vezes, uma delas com o Papai Noel. Um amigo vestiu a roupa calorenta do bom velhinho no meu apartamento. Colocou a barba, a peruca, o bigode, a touca, um travesseiro na barriga, encheu o saco com os presentes e tomamos o elevador. Ele emperrou entre o sexto e o sétimo andar. O Papai Noel suava em bicas. Falei pra ele tirar a roupa, mas não quis. Com os olhos assustados, ficamos presos uns bons minutos. Depois, foi a vez de uma moça que me auxiliava. Ela subia e descia o elevador sem parar (eu também). Levamos o filé ao molho madeira, ele acabou rápido e ela não chegava com o chester com farofa e abacaxi, uma delícia. Claro, estava presa no elevador. Depois de meia hora, chegou com os olhos assustados carregando a bandeja. Sem contar que levou uma mordida (não machucou) da minha cachorrinha york que estava com filhotinhos. Penso que ela não volta mais a me ajudar e ainda terei que trocar de Papai Noel…

Penso também que muitos não acreditarão em tantas confusões. No caso da pintora, o mundo todo acreditou no marido mentiroso e ela precisou ir a um tribunal para provar que os quadros eram seus. No meu caso, tudo o que contei é a mais pura expressão da verdade.