Dr. Flávio de Andrade Goulart*

Tenho tratado da questão do Entorno aqui neste blog por vezes sucessivas. O Correio Braziliense desta semana (ver link) anuncia novas cenas do show de horrores que costuma pautar a vida dos moradores da região. O drama atual é de que os motoristas de ônibus da empresa que serve à população de Águas Lindas (nem águas, nem lindas…) de Goiás, fazem greve por estarem sem receber reajuste salarial há três anos, reclamando, também, das condições de trabalho. Não entrarei no mérito disso, mas é estranho que tal ação não seja respaldada por algum sindicato, conforme a norma histórica da representação do trabalho perante o capital. Sobre isso, como dizem os causídicos, me falece competência. Uma coisa é certa: ninguém mora neste lugar e é obrigado a vir diariamente ao DF pelas qualidades de seu clima ou por suas belezas naturais. Assim, já se sabe muito bem quem são os maiores prejudicados. A questão aqui é outra e aproveito a oportunidade para mais uma vez denunciar a maneira superficial, ou até mesmo irresponsável, com que as sucessivas administrações do DF – e outro lado da mesa, de Goiás – vêm tratando as questões do Entorno, seja na saúde, na mobilidade, na gestão urbana, na segurança pública e em outras áreas, fazendo corpo mole e um verdadeiro um jogo de empurra com ações eternamente desencontradas (ou falta delas). Em suma, não existe decisão política adequada e muito menos mecanismos adequados de gestão pública em tal área, cuja (de)formação deriva nitidamente da criação do DF, há seis décadas. A solução, enfim, depende de uma governança integrada, o que requer a ampliação do escopo da gestão dos vários participantes da equação assistencial, em termos de meios e de fins. E que se destaque que de fato é grande a responsabilidade do DF em relação a isso, além daquela do correspondente governo goiano. Como resolver isso? Seguem alguns princípios que deveriam orientar as ações de governo relativas a tal área.
1. O caso específico do Entorno do DF mostra relações complexas entre entes federativos, bem como entre governos e população, com problemas muitas vezes agravados pelas barreiras políticas e geográficas, derivadas da tendência competitiva e até predatória vigente na federação brasileira. Em tal contexto, problemas de natureza sanitária, econômica, demográfica, cultural e política não têm como serem resolvidos de maneira singela ou apenas dentro dos moldes formais, nos limites de municípios ou estados, isoladamente.
2. Assim, surge a necessidade da criação de novos arranjos institucionais, fugindo daquele cada um cuida de si tradicional. Bom exemplo disso, embora na área de segurança pública, é a Força Nacional de Segurança, algo praticamente impensável até alguns anos atrás, por ameaçar, supostamente, a marcante autonomia dos entes federados, mas que uma vez instalada veio ao encontro das demandas e das necessidades da sociedade. Haja vista os recentes episódios de vandalismo bolsonarista no DF
3. De forma consequente com esses novos arranjos institucionais, o princípio básico de ação governamental deveria se apoiar em valores de solidariedade e cooperação, com definição de novos papéis e novos modus operandi das máquinas administrativas, com foco na responsabilização das três esferas gestoras. Das TRÊS esferas, insisto. Isso implicaria em aumentar recursos e poder decisório, não necessariamente de cada um dos entes federados, mas do conjunto deles, com a criação de instrumentos eficientes de gestão integrada, sem abrir mão da responsabilização individualizada de cada ente envolvido.
4. Organismos colegiados de gestão interfederativa, como já previsto nas normas do SUS, são necessários, seja entre municípios, mas principalmente entre Estado e estes. Mas atenção: não se deve prescindir de papéis a serem exercidos pelo Gestor Federal, que não seja apenas o de árbitro, mas de agente atuante de uma expressiva ação trilateral, sem que isso se transforme em usurpação do poder pelo governo central.
5. Tal ação interfederativa deve se estender ao conjunto de serviços públicos comuns aos estados e municípios que compõem a região, o que ultrapassa a possível pauta de atuação de governos locais, de forma a incluir itens tão diversos como: infraestrutura urbana; capacitação profissional específica em saúde; política de saneamento básico e limpeza pública, em função dos indicadores epidemiológicos; proteção ao meio ambiente e controle da poluição ambiental; educação e cultura, nos aspectos relacionados à saúde, além de segurança pública.
6. Isso implica em que as próprias atribuições específicas em saúde de cada ente federativo sejam ampliadas, de forma a incluir a coordenação das ações e programas de saúde; o desenvolvimento dos sistemas locais e microrregionais de saúde; o fomento à integração dos serviços públicos de saúde comuns; a utilização cooperativa dos instrumentos de planejamento local e regional, entre outras possibilidades, tendo como foco o a redução das desigualdades sanitárias.
Em suma, o pressuposto maior de tais ações deve ser o de que o Entorno não é simplesmente um transtorno para o DF, pois a população que nele habita, além de ser portadora de direitos de cidadania tanto quanto aquela que habita a Capital Federal tem também um importante papel na movimentação da economia do DF, já que é no comércio local que costuma fazer suas despesas de custeio familiar e outras. Além disso, estas pessoas não podem pagar os custos da incúria de governantes que permitiram e estimularam a atração fantasiosa de centenas de milhares de migrantes, movidos de outras regiões do País por promessas vãs, com o consequente descalabro da exploração imobiliária nas áreas onde foram forçados a se alojar.
Uma coisa é certa. Atitudes de levantar paliçadas, instalar catracas ou fechar as fronteiras, como volta e meia os vários governos do DF ameaçam, fazem parte de uma lógica política medieval e totalmente ultrapassada em termos políticos e humanos, como aquela das “cidades-estado”, não se coadunam com as diretrizes do SUS e nem com a necessária colaboração e solidariedade entre os entes federativos, muito menos em situações sanitárias limite, como agora.
Quanto ao papel do gestor federal, considerando os anos recentes de descontrole e não-governança durante a pandemia, por parte dos fardados e assemelhados que ocuparam a Babel que se instalou no Bloco G da Esplanada dos Ministérios, augura-se que o novo governo faça reverter tal quadro por completo, particularmente no que diz respeito às questões de governança do Entorno o DF, sobre as quais o Ministério da Saúde também tem responsabilidades.
Quem sabe, no futuro, poder-se-ia dar um jeito nisso. Até lá, o Entorno continuará sendo um incômodo transtorno para o DF e seus cidadãos tratados como gente de segunda classe.
***
Censo 2022 revela o tamanho de nossos problemas, entre eles o da má informação…
Destaco aqui o texto brilhante do jornalista Pedro Dória, publicado no site Meio. Acesso ao mesmo no link ao final; <> https://mail.google.com/mail/u/0/?pli=1#inbox/FMfcgzGsnLPWHSwCfHBfMkxfSdNspqSH.
*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário municipal de Saúde em Uberlândia e é sobrinho do poeta Carlos Drummond de Andrade.

Ainda o Entorno …

Dr. Flávio de Andrade Goular*

Tenho tratado da questão do Entorno aqui neste blog por vezes sucessivas. O Correio Braziliense desta semana (ver link) anuncia novas cenas do show de horrores que costuma pautar a vida dos moradores da região. O drama atual é de que os motoristas de ônibus da empresa que serve à população de Águas Lindas (nem águas, nem lindas…) de Goiás, fazem greve por estarem sem receber reajuste salarial há três anos, reclamando, também, das condições de trabalho. Não entrarei no mérito disso, mas é estranho que tal ação não seja respaldada por algum sindicato, conforme a norma histórica da representação do trabalho perante o capital. Sobre isso, como dizem os causídicos, me falece competência. Uma coisa é certa: ninguém mora neste lugar e é obrigado a vir diariamente ao DF pelas qualidades de seu clima ou por suas belezas naturais. Assim, já se sabe muito bem quem são os maiores prejudicados. A questão aqui é outra e aproveito a oportunidade para mais uma vez denunciar a maneira superficial, ou até mesmo irresponsável, com que as sucessivas administrações do DF – e outro lado da mesa, de Goiás – vêm tratando as questões do Entorno, seja na saúde, na mobilidade, na gestão urbana, na segurança pública e em outras áreas, fazendo corpo mole e um verdadeiro um jogo de empurra com ações eternamente desencontradas (ou falta delas). Em suma, não existe decisão política adequada e muito menos mecanismos adequados de gestão pública em tal área, cuja (de)formação deriva nitidamente da criação do DF, há seis décadas. A solução, enfim, depende de uma governança integrada, o que requer a ampliação do escopo da gestão dos vários participantes da equação assistencial, em termos de meios e de fins. E que se destaque que de fato é grande a responsabilidade do DF em relação a isso, além daquela do correspondente governo goiano. Como resolver isso? Seguem alguns princípios que deveriam orientar as ações de governo relativas a tal área.
7. O caso específico do Entorno do DF mostra relações complexas entre entes federativos, bem como entre governos e população, com problemas muitas vezes agravados pelas barreiras políticas e geográficas, derivadas da tendência competitiva e até predatória vigente na federação brasileira. Em tal contexto, problemas de natureza sanitária, econômica, demográfica, cultural e política não têm como serem resolvidos de maneira singela ou apenas dentro dos moldes formais, nos limites de municípios ou estados, isoladamente.
8. Assim, surge a necessidade da criação de novos arranjos institucionais, fugindo daquele cada um cuida de si tradicional. Bom exemplo disso, embora na área de segurança pública, é a Força Nacional de Segurança, algo praticamente impensável até alguns anos atrás, por ameaçar, supostamente, a marcante autonomia dos entes federados, mas que uma vez instalada veio ao encontro das demandas e das necessidades da sociedade. Haja vista os recentes episódios de vandalismo bolsonarista no DF
9. De forma consequente com esses novos arranjos institucionais, o princípio básico de ação governamental deveria se apoiar em valores de solidariedade e cooperação, com definição de novos papéis e novos modus operandi das máquinas administrativas, com foco na responsabilização das três esferas gestoras. Das TRÊS esferas, insisto. Isso implicaria em aumentar recursos e poder decisório, não necessariamente de cada um dos entes federados, mas do conjunto deles, com a criação de instrumentos eficientes de gestão integrada, sem abrir mão da responsabilização individualizada de cada ente envolvido.
10. Organismos colegiados de gestão interfederativa, como já previsto nas normas do SUS, são necessários, seja entre municípios, mas principalmente entre Estado e estes. Mas atenção: não se deve prescindir de papéis a serem exercidos pelo Gestor Federal, que não seja apenas o de árbitro, mas de agente atuante de uma expressiva ação trilateral, sem que isso se transforme em usurpação do poder pelo governo central.
11. Tal ação interfederativa deve se estender ao conjunto de serviços públicos comuns aos estados e municípios que compõem a região, o que ultrapassa a possível pauta de atuação de governos locais, de forma a incluir itens tão diversos como: infraestrutura urbana; capacitação profissional específica em saúde; política de saneamento básico e limpeza pública, em função dos indicadores epidemiológicos; proteção ao meio ambiente e controle da poluição ambiental; educação e cultura, nos aspectos relacionados à saúde, além de segurança pública.
12. Isso implica em que as próprias atribuições específicas em saúde de cada ente federativo sejam ampliadas, de forma a incluir a coordenação das ações e programas de saúde; o desenvolvimento dos sistemas locais e microrregionais de saúde; o fomento à integração dos serviços públicos de saúde comuns; a utilização cooperativa dos instrumentos de planejamento local e regional, entre outras possibilidades, tendo como foco o a redução das desigualdades sanitárias.
Em suma, o pressuposto maior de tais ações deve ser o de que o Entorno não é simplesmente um transtorno para o DF, pois a população que nele habita, além de ser portadora de direitos de cidadania tanto quanto aquela que habita a Capital Federal tem também um importante papel na movimentação da economia do DF, já que é no comércio local que costuma fazer suas despesas de custeio familiar e outras. Além disso, estas pessoas não podem pagar os custos da incúria de governantes que permitiram e estimularam a atração fantasiosa de centenas de milhares de migrantes, movidos de outras regiões do País por promessas vãs, com o consequente descalabro da exploração imobiliária nas áreas onde foram forçados a se alojar.
Uma coisa é certa. Atitudes de levantar paliçadas, instalar catracas ou fechar as fronteiras, como volta e meia os vários governos do DF ameaçam, fazem parte de uma lógica política medieval e totalmente ultrapassada em termos políticos e humanos, como aquela das “cidades-estado”, não se coadunam com as diretrizes do SUS e nem com a necessária colaboração e solidariedade entre os entes federativos, muito menos em situações sanitárias limite, como agora.
Quanto ao papel do gestor federal, considerando os anos recentes de descontrole e não-governança durante a pandemia, por parte dos fardados e assemelhados que ocuparam a Babel que se instalou no Bloco G da Esplanada dos Ministérios, augura-se que o novo governo faça reverter tal quadro por completo, particularmente no que diz respeito às questões de governança do Entorno o DF, sobre as quais o Ministério da Saúde também tem responsabilidades.
Quem sabe, no futuro, poder-se-ia dar um jeito nisso. Até lá, o Entorno continuará sendo um incômodo transtorno para o DF e seus cidadãos tratados como gente de segunda classe.
***
Censo 2022 revela o tamanho de nossos problemas, entre eles o da má informação…
Destaco aqui o texto brilhante do jornalista Pedro Dória, publicado no site Meio. Acesso ao mesmo no link ao final; <> https://mail.google.com/mail/u/0/?pli=1#inbox/FMfcgzGsnLPWHSwCfHBfMkxfSdNspqSH.
*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário municipal de Saúde em Uberlândia e é sobrinho do poeta Carlos Drummond de Andrade.