Dr. Flávio de Andrade Goulart*

A palavra de ordem neste novo momento do Brasil é Participação Social. Não é por acaso que o lema do Governo Lula é Unir e Reconstruir e, sem dúvida, neste campo há muito a ser feito, não apenas na área da Saúde, mas também na Educação, no Desenvolvimento Social, no Meio Ambiente, na proteção aos desvalidos e minorias. Para tanto, é preciso ir além dos mecanismos tracionais, lançando mão de novas tecnologias sociais que viabilizem de fato uma participação comunitária e social que faça fluir os mecanismos oficiais já instituídos, amplificando a escuta e o empoderamento daqueles que verdadeiramente necessitam da assistência das políticas públicas. Neste sentido, apresentamos aqui, em mais um trabalho conjunto com Henriqueta Camarotti, uma proposta para viabilizar a participação social na saúde e outras áreas de governo, com foco especial no nível local, onde tal mecanismo deveria constituir o alicerce de um verdadeiro sistema nacional de participação, mas que no arcabouço legal atual se vê obstaculizado pelo formalismo dos instrumentos definidos para as instâncias municipais, estaduais e nacional.
Com efeito, já na Constituição Cidadã de 1988, a Participação Social em Saúde, denominada posteriormente de Controle Social, aliás de forma inadequada, na nossa opinião, foi erigida como um dos pilares de uma concepção de política pública fundada substancialmente na promoção da saúde e da qualidade de vida, na prevenção e tratamento do sofrimento físico e emocional das pessoas, a partir do corretíssimo pressuposto de que para atingir tais objetivos seria necessário incluir como protagonista principal o próprio usuário.
Nossa proposta, a ser mais uma vez detalhada abaixo, se inspira, entre outras fontes, nas ideias de Paulo Freire, autor finalmente resgatado das sombras do obscurantismo e do conservadorismo até ontem vigente no país. Assim, enxergamos o processo social como um vir a ser permanente e criativo, através de ações de construção e reconstrução, tendo o nível local como instância privilegiada, por se tratar do locus em que ocorre verdadeiramente o encontro daqueles que buscam aliviar seus sofrimentos e os tomadores de decisão e agentes do cuidado direto, na intermediação entre os recursos públicos e as respostas adequadas às necessidades da população. E certamente é em tal encontro de águas, tão delicado e fundamental, que devem existir mecanismos interativos e participativos mais eficazes e de verdadeira promoção humana.
Assim, para complementar o processo de promoção e consolidação democrática que se realiza nos Conselhos Nacional, Estaduais e Municipais de Saúde, é que propomos esta Participação Comunitária Integrativa (PCI), com foco nos serviços locais do SUS, principalmente naqueles ligados as ações básicas de saúde. Entre as ferramentas adequadas à construção e ao aperfeiçoamento da participação social em saúde, de modo a atenuar algumas de suas limitações operacionais e conceituais identificadas pela prática, e a aplicação de tal micro participação, buscamos aqui uma integração entre a Terapia Comunitária Integrativa, tecnologia social concebida com objetivo diferente, mas cujos recursos metodológicos possuem sintonia com o processo participativo, na medida em que apresenta como focos de ação: (1) espaço de fala de escuta e de construção de vínculos solidários; (2) o foco no trabalho em grupo, na busca conjunta de soluções dos problemas do cotidiano (“onde existe problema, reside também a solução”; (3) o incentivo à promoção gradual de uma consciência social em relação à origem e às implicações sociais da pobreza, do sofrimento e da fragmentação sociocultural, fomentando a descoberta de potencialidades transformadoras nas pessoas e comunidades; (4) o componente de promoção da saúde, associando elementos culturais e sociais ativos nas comunidades, ou seja, profissionais de saúde e usuários dos serviços.
No entendimento que o SUS é um processo social em permanente desenvolvimento, e não um problema sem solução, apresentamos a proposta da Participação Comunitária Integrativa como possível aprimoramento ao que está disposto na Constituição de 1988 e leis orgânicas correspondentes

*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário municipal de Saúde em Uberlândia e é sobrinho do poeta Carlos Drummond de Andrade.