A devastação causada pelos fortes temporais no litoral norte do estado de São Paulo, mais uma vez forneceu suficientes elementos para medirmos a participação de centenas ( ou milhares?) de pessoas voluntariosas e de profissionais diversos no socorro e apoio a inúmeras vítimas de (mais) uma tragédia previamente anunciada e desdenhada por quem deveria adotar providencias cabíveis. Causou-me, sim, profunda emoção e reconhecimento sincero o esforço de socorristas voluntários, variados e atuantes em áreas de atenção à preservação da vida, no alívio à dor de pessoas diretamente atingidas pelo deslizamento de morros e as suas cruéis conseqüências. Embora a capacidade do atendimento médico de urgência nas localidades atingidas por tamanho flagelo não fosse suficiente para assistir a todos que dele necessitaram, a união e a solidariedade de muitos habitantes daquela área foi de fundamental importância e ao ponto de atingir uma formidável amplitude cooperativa, mesmo considerando-se a necessidade do cuidado de especialistas aos gravemente enfermos e para o que, certamente, a maioria das pessoas fraternas não estava devidamente capacitada; mas não faltaram controle emocional, agilidade, dedicação e amor ao próximo da parte delas. O nosso povo é mesmo solidário. A título de exemplo cito o caso de um amigo, então com vinte anos de idade, que ficou gravemente ferido em conseqüência de um acidente rodoviário. Socorrido às pressas por populares, ele suportou nada menos que oito cirurgias de emergência. Durante todo o tempo que ficou internado, ele recebeu a atenção de toda uma dedicada e excepcional equipe médica, além de ficar ligado a aparelhos que lhe forneciam o suporte necessário para que sobrevivesse; tudo isso em um dos mais eficazes complexos hospitalares do nosso estado. Entretanto, passados pouco mais de quarenta dias ele veio a óbito; mas obviamente valeram todos os esforços de voluntários que prestaram a ele os primeiros-socorros e imediatamente reconhecidos pela sua família. Hoje, penso, se vinte sobreviventes daquela tragédia em São Paulo e com alguma gravidade, fossem admitidos ao mesmo tempo em hospitais daquela localidade, o caso ultrapassaria a capacidade médica de atendimento a todos os traumatizados. O rumor de choros e gritos de adultos, jovens e crianças ao sopé das encostas devastadas pelas avalanches, foram inicialmente atendidos, entendidos e naturalmente suportados por pessoas voluntariosas. Imagino as visões de horror ali registradas pelos primeiros socorristas voluntários e indescritíveis a quem não presenciou aquela tragédia. Aqui, desde o conforto de nossas casas, é impossível medirmos a extensão e a profundidade daquela calamidade. A exemplo de outras catástrofes e como a que ocorreu em função do rompimento da barragem de dejetos minerais da Vale do Rio Doce em Brumadinho (MG), ficamos todos obrigados a considerar a rigoroso exemplo que nos dão os socorristas voluntários e leigos, porém vigorosos e decididos, em suas ações a partir de tragédias diversas; esses, sim, heróis anônimos e que não recebem sequer um centavo em decorrência da sua salvadora ( e não poucas vezes arriscada) prestação de serviço em prol da vida de terceiros. Por outro lado e sempre após uma tragédia daquela magnitude, técnicos e políticos reúnem-se ao redor de mesas e discutem o que deveria ter sido feito em termos de prevenção e de modo que fossem evitadas tantas perdas humanas, como na busca por um reconhecimento popular pelos seus esforços por uma receita eficaz. E o que me deixa ainda mais indignado, é observar políticos que aproveitam-se da desgraça alheia para promoverem-se, enquanto sobrevoam em helicópteros militares e com toda a segurança necessária as regiões devastadas por alguma catástrofe, como se desejassem evidenciar a sua profunda dor e a sua plena solidariedade aos familiares e amigos das vítimas. Ora…francamente! Só o prevenir consente que se mantenha o domínio de situações de risco público iminente e um desejável reconhecimento popular. Aos políticos afirma-se a altíssima dignidade da promoção e preservação da vida de quem governam, de modo a disporem para a população os recursos necessários para a sua proteção. Mais uma vez a hipocrisia de eleitos pelo voto popular mascara-se com ternura e afetividade, num momento de dor que poderia ter sido evitado se houvessem agido de maneira prevencionista. Alias é de bom alvitre lembrarmos que quando as autoridades públicas não cumprem com suas obrigações em relação à prevenção de desastres, elas devem ser responsabilizadas juridicamente por danos morais, materiais e coletivos. Em Uberlândia e mesmo não havendo morros, montanhas e colinas ocupados por pessoas que constroem de maneira indevida as suas casas, ainda admite-se moradores de rua instalados em lotes desocupados em bairros diversos, pois parece não haver uma devida fiscalização a partir de leis que obrigam os proprietários a murá-los de maneira eficaz e segura (vide Plano Diretor de Uberlândia). A mendicância e a prostituição completam o quadro de não poucos daqueles cuja sobrevivência ainda depende da rua e a falta da ordem passa a ser sentida a partir de uma necessária reordenação do espaço público. Hoje, em Uberlândia, contata-se cada vez mais que a mendicância encontra recursos para se robustecer: a rua! A ocupação de lotes para a moradia e o comércio irregular são crescentemente percebidos nesta cosmopolita cidade, perigosos e ameaçadores; isto é, na verdade, a morte lenta de Uberlândia por excesso de permissividade à invasão e ocupação de lotes vagos, principalmente na periferia . Com isso dá-se fundamento à vida dos grupos populares e que se nutrem da “desordem” calcada na ocupação indiscriminada do espaço público. O papel do urbanismo responsável, nesse momento, se torna primordial e antes que essa cidade veja-se tomada por quem busca pela sua sobrevivência de maneira desordenada, babélica ; basta apenas que se aplique o que foi aprovado pelas nossas autoridades legislativas e endossado pelo chefe do poder executivo municipal em 19/10/2.006: o Plano Diretor deste município.

Gustavo Hoffay
Agente Social
Uberlândia-MG