Antônio Pereira*

Essa festa é um Bem Cultural tombado pela Prefeitura. Segundo Luís da Câmara Cascudo em seu Dicionário do Folclore Brasileiro, as Congadas, Congados e Congos, são “autos populares brasileiros, de motivação africana representados no Norte, Centro Oeste e Sul do país”. Seus elementos formadores são: a coroação dos reis do Congo; os préstitos e embaixadas; as reminiscências de bailados guerreiros e a relembrança da famosa rainha negra Nginga, falecida em 1663, valorosa defensora da autonomia do seu reinado contra os colonizadores portugueses. Cascudo diz que nada disso se encontra na África, deduzindo-se que tudo foi criação dos escravos brasileiros que, no Recife, em 1674 realizaram a primeira coroação de um rei negro na igreja de N. S. do Rosário. N. S. do Rosário não é uma santa negra. Segundo J. Ramos Tinhorão em “Música Popular de Índios, Negros e Mestiços, a sua adoção entre os escravos se deveu à semelhança do seu rosário de contas com as contas de adivinhação do orixá Ifá. É Tinhorão também quem nos alerta que a abertura da igreja para os negros era do interesse, muito em voga, à época, da conquista de pagãos para o cristianismo, o que coincidia com o interesse dos senhores em amansar as possíveis rebeldias dos escravos permitindo-lhes folgar e brincar nos domingos, feriados e dias santos que eram quase uma centena por ano.

Tito Teixeira, em Pioneiros e Bandeirantes do Brasil Central, vol. I (1970), nos conta o início das festividades dos Congos em Uberlândia. Diz ele que as festas vêm do tempo da abolição e destaca José Rodrigues, conhecido por José da Lagoinha, retireiro da fazenda Lagoinha, que teria começado com as manifestações. Tinha por companheiros Antônio Direitinho, José Francisco Vargas, Antônio Joaquim Riveras, Mário Rita de Jesus e Iziquiel. Depois do Zé da Lagoinha, assumiu a liderança Manoel Angelino, sucedido por Sebastião Ramos que levantou o Moçambique, e aí ficou por 42 anos.

Cidade preconceituosa, Uberlândia sempre desprezou as manifestações populares, principalmente de origem negra. Por mais de cem anos os grupos de Congos e Moçambiques fizeram seus cortejos espremidos em cantos de ruas, deixando livre a passagem dos carros que subiam e desciam, na época em que as mãos eram duplas. Os automóveis passavam velozes e, algumas vezes, por prevenção, buzinavam insistentemente atrapalhando o desfile. Isso só veio a corrigir-se na primeira gestão de Zaire Rezende que criou a Secretaria de Cultura e nomeou a professora Yolanda de Freitas para a pasta. A professora mudou o conceito das manifestações populares. Melhorou o Carnaval de rua, valorizou as Folias, e exigiu respeito aos Congos e Moçambiques mandando fechar as ruas por onde passariam seus préstitos. É um momento histórico da cultura popular uberlandense.

As festas do rei do Congo têm um valor social considerável, nem sempre percebido pelas pessoas. Ainda nos seus princípios, ou seja, lá pelos séculos XVII e XVIII elas permitiram que o negro escravo fosse inserido numa categoria social na comunidade colonial. Além disso, representa um passo valoroso no erguimento da cultural popular brasileira porque a festa do Congo não é africana apesar de buscar vários elementos na velha África. É uma criação cultural brasileira. Seu tombamento municipal foi feito pelo decreto n. 11.321, de 20.8.2008. (Fontes: Cascudo, Tinhorão, Tito Teixeira.)

*Jornalista e escritor – Uberlândia – MG