Cesar Vanucci*

“Atormenta-me (…) a perspectiva de não poder
prosseguir na vida de apostolado que escolhi em meu país.”
(Carta de Madre Maurina do exílio, no México)

A carta dirigida por Madre Maurina ao ex-Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, dando conta das violências a que se achava exposta no cárcere, acusada injustamente de participação em ações contrárias ao regime militar, não mereceu qualquer atenção digna de nota da parte do governo. Seu apelo angustiado esbarrou em glacial e cruel indiferença.

Dom Paulo Evaristo Arns, falando ao “Jornal do Brasil” em 16.11.2003, confirmou as sevicias infligidas à religiosa durante o período em que permaneceu detida. Disse, a propósito: “Não negarei as evidências das sevicias sexuais, pois isso ficou demonstrado no depoimento dela e de outras presas que estavam com ela em Ribeirão Preto e também passaram por esses horrores.”

No mesmo depoimento, o Cardeal desmentiu enfaticamente um boato maldoso posto a circular, ao que tudo faz crer, pelos próprios agentes policiais e militares que a mantinham encarcerada, a respeito de que a freira estaria grávida em consequência de seu “relacionamento promíscuo” com “companheiros de militância política”. A sórdida maquinação ia mais longe: por causa da “inconveniente gravidez”, Madre Maurina havia decidido fazer “aborto”. À vista de tudo, a Igreja “teria intercedido’, junto ao governo, para que a religiosa figurasse numa lista de presos políticos encaminhados a exílio no México em troca da libertação de um cônsul japonês sequestrado pela guerrilha urbana.

O combativo Dom Evaristo expressou-se, anos depois, a respeito, desfazendo toda a rede de intrigas, de forma bastante categórica: – “Está na hora de acabar com as mentiras e os boatos que rondam esse episódio. Penso que a inclusão do nome de Madre Maurina na lista de presos trocados pelo cônsul japonês se deve aos próprios militares. Eles queriam, naquele momento, demonstrar para a opinião pública o quanto a Igreja estava comprometida com a causa. Essa foi a forma de desmoralizar os religiosos, exibindo-os como terroristas, numa espécie de vingança. Ela era mulher e freira. Isso chamava a atenção mais que tudo. Era como estarem dizendo: “Olha, precisamos agir, pois até as freiras já estão metidas nisso.”

Madre Maurina ficou ainda mais arrasada psicológica e fisicamente – se isso fosse ainda possível de ser concebido face ao martírio imposto pelas arbitrariedades de que foi vítima – com o exílio forçado. Assinou declaração, reafirmando sua inocência “diante de Deus” com relação às acusações que lhe foram imputadas, dizendo não conhecer nenhum dos integrantes da lista dos prisioneiros trocados pelo cônsul geral do Japão, nem tampouco nenhuma das organizações “subversivas ou comunistas, ou o que quer que seja”, envolvidas nos acontecimentos daquela hora. Explicitou com clareza sua disposição pessoal em não sair do Brasil para qualquer outro país e, aqui, poder provar, perante a Justiça, a verdade dos fatos.

Já no exílio no México, dirigiu apelos dramáticos ao governo militar para que lhe permitisse o retorno, “a fim de ser normalmente processada e julgada (…) e demonstrar a minha inocência.” Palavras textuais de uma das cartas que enviou às autoridades, divulgada também no JB: “Não me atormenta a perspectiva de vir a ser, eventualmente, recolhida à prisão onde me encontrava. Atormenta-me, isto sim, a perspectiva de não poder prosseguir na vida de apostolado que escolhi em meu país, de não poder abraçar e beijar as minhas irmãs de vocação e a minha família, de não poder rezar ajoelhada sobre a terra que me viu nascer, onde caminhei pela primeira vez e que, abrigará, confio em Deus, meu corpo, quando então prestarei contas de minha vida ao Senhor Nosso Pai.”

Fica claro que esta história comporta outras considerações.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)