Gustavo Hoffay*

Há décadas o Brasil declarou guerra às drogas e aos seus agentes e a bem menos tempo, quase trinta anos, para ser um pouco mais exato, decidiu acrescentar ações para a conscientização da juventude em relação aos diversos malefícios ocasionados pelo uso das mesmas, considerando que uma quinta parte dos usuários tornavam-se dependentes das mesmas, principalmente aqueles que encontram-se na faixa etária de 14 a 20 anos (Lei 8.764 de 20 de dezembro de 1.993) . E qual seria a real efetividade de tal combate? O número de usuários e a quantidade daquelas substâncias tem diminuído, à medida que aumenta-se as incursões policiais a locais historicamente tidos como pontos de comércio e distribuição das mesmas? Morte de pessoas inocentes e vítimas de balas “perdidas” ou não, desestruturação familiar, acúmulo de processos na Justiça, prisões e penitenciárias abarrotadas, aumento da violência urbana a partir de roubos, assaltos e seqüestros, cooptação de jovens para fazerem parte de um muito lucrativo mercado mortal e corrupção de policiais; tudo isso e muito mais diariamente orbita a vida de cidadãos brasileiros e em função da constante e cruenta guerra entre a policia e traficantes de drogas, que há décadas vem causando pavor e neurose histérica em famílias diversas, lotando hospitais, pronto-socorros e cemitérios e fomentando páginas de jornais detodo o nosso país, motivando palestras e debates além de jogar no ralo milhões e milhões de reais todos os anos e que poderiam, sim, ser aproveitados em setores carentes que tocam diretamente a vida em sociedade, especialmente daquelas pessoas mais necessitadas de especial atenção por parte dos nossos governantes. Partindo-se do princípio de que a liberdade individual ( consagrada como direito fundamental do homem no artigo 5º da Constituição da Republica Federativa Brasileira) traz em si o sentido de “permissão” ou “licença” de cada cidadão agir/atuar como bem entender e desde que não prejudique a vida de terceiros, então é certo que no Estado Democrático de Direito a liberdade de cada cidadão é uma regra a ser respeitada e que, portanto, qualquer tipo de proibição, imposição ou constrangimento a quem use drogas seja algo considerado como a uma exceção! Ou seja: desde que não prejudique algo ou alguém, qualquer usuário de drogas lícitas ou ilícitas tem plena liberdade para decidir fazer (ou não) uso de alguma daquelas substâncias alteradoras do humor. Entretanto, esteja claro, não se trata de um direito absoluto; há limites que obviamente devem ser determinados por leis, mas essas não têm o poder de proibir senão ações que sejam nocivas à sociedade; o uso de drogas deve então ser entendido como a uma conduta de caráter estritamente particular e cujos malefícios afetam primordialmente o próprio usuário, da mesma forma que as bebidas alcoólicas. Em casos de danos a terceiros e em função do uso daquelas substâncias ( álcool e drogas ilícitas), fica claramente evidenciada a extrapolação de limites por parte do usuário e o que, então, o torna absolutamente responsável pelos seus atos criminosos dali decorrentes. Apena-se, nesse caso, as conseqüências do uso e não do uso em si. O uso recreativo de drogas , sabemos, tem aumentado de maneira exponencial e levado considerável número de rapazes e moças ao uso compulsivo e doentio das mesmas até ao grau de dependência; e isso é algo que não poucos jovens têm conhecimento antes mesmo de terem a sua primeira experiência com alguma daquelas substâncias. O grande problema não é usar e sim as seqüelas decorrentes de tal ato, de tal infeliz escolha e a qual, muitas vezes, decorre da falta de uma auto-vigilância ou mesmo de uma fraqueza temporal do sujeito, diante de não raras ofertas e tentações. E o que é pior sob o ponto de vista da sociedade em geral: continuar com a proibição do uso de drogas e a arcar com as trágicas conseqüências do emprego de ações delituosas de poderosas organizações altamente especializadas no tráfico das mesmas ou – por outro lado – liberar o uso daquelas substâncias de forma a torná-lo em algo desprezível e portanto banal à vista de quem poderia sentir-se tentado a usá-las? Ora, já chegamos a um ponto em que a punição ao consumo de drogas é praticamente ineficiente em vista do bem-estar social; aliás não há restrição dolorosa ou sequer algum tipo de correção disciplinar pelo estado que intimide o uso de alguma daquelas substâncias. Em quase todo o mundo tem-se mudado a maneira de encarar a questão drogatícia, aplicando-se políticas que batem de frente com a proibição ao uso. Nos Estados Unidos, por exemplo, a maconha está liberada para uso recreativo em quase metade dos seus estados, o que representou um grande avanço na diminuição de usuários e crimes diversos; em Portugal, onde todas as drogas são descriminalizadas desde 2.001, o numero de usuários vem diminuindo consideravelmente nos últimos quatorze anos; o uso de maconha , por exemplo, tornou-se démodé, menos atrativo para grande parte de uma rapaziada e por já não causar “aquele” frisson” juvenil por estar infringindo a lei. O vizinho Uruguai depois de tornar-se o único país do mundo a permitir a produção, a comercialização e a distribuição da maconha, conseguiu reduzir em muito a violência em seu território. Tolerância em relação àquela droga já é admitida em outros países como a Holanda, Canadá, Espanha e outros. Aqui no Brasil , desde o século 19, leis e mais leis vêm punindo, restringindo, revogando, criando e beneficiando, fazendo surgir dualidades interpretativas e gerando uma insegurança geral diante da desordem de aplicabilidade de leis, inovando, punindo, libertando, reprimindo, multando,causando, determinando, prendendo, livrando, vetando…….sem – no entanto – nunca apresentar uma solução satisfatória e conclusiva. Francamente, o resultado prático é que pessoas pobres são presas como traficantes e os ricos acabam sendo classificados como usuários. Faltam critérios objetivos na aplicação das leis antidrogas e há dúvidas em determinar se tal quantidade de substância ilícita apreendida é pouco, muito, mais ou menos ou nem uma coisa e nem outra. Há margens para diferentes interpretações, inclusive sobre o plantio de maconha em domicílios ou quando do porte de determinada quantidade da droga com alguma pessoa, principalmente quando a lei permite que um policial decida quem é usuário e quem é traficante. Santa ignorância! Basta de bancarmos uma fortuna no combate às drogas, especialmente da maconha. O Brasil deve assumir de imediato o quanto é ineficaz a sua “guerra” contra aquela substância. Há que considerar-se, ainda, que a liberação do uso daquela droga fará diminuir em muito diversos crimes como o tráfico de armas, corrupção, homicídios, roubos, assaltos e outros delitos. O fracasso da penalização do tráfico de drogas está explicito na legislação e que vem aumentando gradativamente as penas relativas ao mesmo, ao ponto de hoje a pena por tráfico ser de oito anos e enquanto a pena mínima por homicídio simples é de apenas seis anos. Pode-se afirmar e sem nenhum receio de errar que a guerra às drogas em nosso país tem influência direta nos números da violência, seja ela gerada pelo confronto armado entre policiais e traficantes – que diariamente fazem vítimas até mesmo pessoas inocentes, seja a violência dada pela disputa de território e fatias de mercado por facções criminosas e a repressão que o usuário estigmatizado preto e pobre sofre por parte de não poucos policiais. O assunto “pango” (maconha) dá muito “pano prá manga”, mas o Brasil precisa rever a sua posição nesse sentido e dar especial atenção ao fato de que a sua legalização irá diminuir o custo humano da proibição, considerando-se o fato de que milhares de pessoas já morreram e continuam morrendo no Brasil em decorrência da violência gerada pelo muito lucrativo comércio de narcóticos. Quanto ao aumento do número de dependentes em função da liberação, seria o mesmo que comparar com o aumento do número de alcoólatras e para os quais, a tempos, é oferecida uma ampla rede de atendimento que visa facilitar a sua reabilitação e conseqüente reinserção social, bem como a de seus familiares co-dependentes.

Gustavo Hoffay – Agente Social – Uberlândia-MG