Cesar Vanucci *

“Você sabe que praticamos torturas. Mas para você
não é difícil de suportar, porque a vida de freira já é uma tortura.”
(Frase ouvida por Madre Maurina durante um de seus “interrogatórios”)

As universitárias Gláucia e Marilda tomaram conhecimento, por um professor, que deu como fonte uma série de artigos estampados neste espaço há um bocado de tempo. Pedem-me que reproduza a série, argumentando era importante as pessoas se informarem sobre violências conta a dignidade humana cometidas em trevosos tempos ditatoriais. Atendo, começando hoje, à sugestão.

Deu-se em 1956, se a memória não me falha, em junho. O “Correio Católico”, diário vinculado a Arquidiocese de Uberaba, com 12 mil assinantes – o que lhe assegurava, certeiramente, a condição de um dos jornais mineiros com maior poder de influência junto ao público leitor –, divulgou reportagem a respeito de uma família de Perdizes, município do Triângulo Mineiro, que se notabilizava pela especial circunstância de abrigar em seu seio quatro irmãos (dois homens e duas mulheres) que haviam optado pela vida religiosa.

Um deles, Manoel, frade dominicano, veio a assumir o cargo de Superior na congregação. Outro, Vicente, integrante do clero regular, exerceu funções paroquiais na Província Eclesiástica de Uberaba. As duas mulheres ingressaram na ordem franciscana, consagrando-se a meritórios trabalhos com menores desamparados. Foi nessa ocasião que fiquei conhecendo pelo nome, editor-chefe que era do jornal, Madre Maurina Borges da Silveira. Seus pais, Antônio Borges da Silveira e Francelina Teodoro Borges, pequenos sitiantes, pessoas simples, rodeadas de estima e apreço no lugarejo em que viviam, criaram condições perfeitas para que a vocação religiosa dos filhos pudesse florescer. Nutriam com relação ao fato justificável sentimento de orgulho. A família era tida por todos, lembro-me bem, como um edificante modelo de virtudes no meio comunitário.

Em 1970, 14 anos passados, ouvi pela segunda vez, de forma inesperada e num relato extremamente chocante, menção ao nome de Maurina Borges da Silveira. Conto como foi. Visitava, naquela manhã de sábado, como fazia todas as vezes em que ia a Uberaba, o Arcebispo Dom Alexandre Gonçalves Amaral. Apoderado de santa indignação, o ilustre e saudoso Prelado, uma das inteligências mais fulgurantes do Episcopado, articulando-se com outros membros da Igreja na busca de uma solução para o caso, colocou-me a par dos hediondos pormenores de uma violência inimaginável, cometida por agentes do governo contra a referida religiosa, à época diretora de uma instituição assistencial em Ribeirão Preto, o “Lar Santana”. Contando então com 43 anos, a freira franciscana foi arbitrariamente detida por truculentos membros da tristemente célebre “Operação Bandeirante”, sob a falsa acusação de apoiar um grupo armado hostil à ditadura militar. O orfanato de Madre Maurina cedia na ocasião, uma sala, para reuniões periódicas, a estudantes ligados a Ação Católica. Alguns ou todos eles, não se sabe bem, opunham-se ao regime vigente, mantendo segundo a polícia, ligações com movimentos da chamada guerrilha urbana.

Madre Maurina, pessoa inteiramente consagrada ao mister religioso, nada sabia a respeito das ações políticas desenvolvidas pelos rapazes. Mas por conta da cessão da sala, por sinal cedida aos jovens antes mesmo de sua chegada à direção do orfanato, acabou sendo lançada, de hora para outra, no torvelinho avassalador de uma tragédia com características, pode-se dizer, kafkianas. Foi detida, barbaramente espancada, torturada, seviciada, alvo de toda sorte de humilhações. Seus algozes forçaram-na, na base da pancada, do pau de arara e do choque elétrico, a assinar declarações em que se confessava amante de militantes políticos apontados, como era de hábito na época, como subversivos.

Mais história de Madre Maurina na sequência.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)