Dr. Flávio de Andrade Goulart*
A situação da pandemia aqui no DF parece dar alguns sinais de arrefecimento nas últimas semanas, eis que a chamada média móvel de mortes chegou a 12 no final de julho, enquanto em abril último passava de 70. Já o número total de óbitos está prestes a chegar aos 10 mil, cabendo indagar, sempre, quantos desses poderiam ter sido evitados. Naturalmente (embora isso não seja aceitável) a maior concentração de mortes provem das regiões mais pobres da cidade. O número de casos/dia sem dúvida também está em decréscimo, embora estacionado em torno de 700 por dia, chegando ao total de 451 mil desde o início da pandemia. Nos leitos de UTI e reservados para Covid, a taxa de ocupação média está em 55% na rede pública, porém ultrapassando os 80% no Hospital de Base e os 90% em Samambaia, com percentuais em torno de 60% em Santa Maria e HRAN, índice que até há dois meses atrás esteve sempre em patamares bem mais elevados. Já seria possível relaxar com as medidas sanitárias frente à pandemia? Ainda não, certamente, mas resta saber se o Governador, as demais autoridades, além de certos setores da população, estariam conscientes das questões envolvidas em uma eventual liberação. E cabe a pergunta, que o futuro acabará por dirimir: aqui no DF se agiu de maneira correta frente à Sars-Covid-19 ao longo desses tensos 18 meses do desenrolar da pandemia?
Antes que os revoltados ou mal-informados de sempre venham com aquele tradicional argumento de que “a culpa é do governo” (de qualquer governo, aliás), é bom esclarecer: a cadeia de responsabilidades é bem mais ampla. Só para chamar atenção para um tópico insuspeitado antes no Brasil: nas cidades onde o atual Presidente da República teve votação expressiva, como aqui, o controle da pandemia tem sido pior do que nas demais. Sendo assim, na nossa realidade, talvez, parte do problema advenha da própria sociedade… Não esquecer da atuação negativa do próprio Conselho Regional de Medicina, que de forma insólita andou pregando contra as medidas corriqueiras de isolamento. Sem falar da compulsão baladeira e consumista em shoppings de certos grupos da sociedade…
Mas vamos nos deter por hoje é na responsabilidade do governo local mesmo, sem esquecer que ela pode de fato extrapolar tal esfera .
Para começo de conversa, embora deva se admitir que atuação do governo foi de certa forma precoce, até mesmo se antecipando a outras unidades da federação nas medidas de controle, o que e viu em seguida foram idas e vindas, quase sempre com tendência ao relaxamento ou inconstância. O que imperou, ao que parece, foi não contrariar as demandas emanadas do Palácio do Planalto, colocando a Saúde Pública local em dilema tão nefasto quanto irracional, qual seja o de agradar ao Bolsonaro versus fazer a coisa certa. E muitas vezes se optou pela primeira opção, até mesmo porque, em determinado momento, o candidato a ditador ameaçou entrar na Justiça contra as tímidas medidas de isolamento então instauradas na Capital Federal.
Ibaneis, isso ficou bem claro durante todo este tempo de pandemia, foi claramente influenciado e na prática prestou continência a Bolsonaro, aparecendo em público sem máscara em inúmeras ocasiões e não fazendo uma clara defesa das medidas de isolamento e outras pertinentes ao estado pandêmico.
Além disso, deve ser registrada, para dizer o mínimo, uma gestão sinuosa, opaca e desastrada quanto à compra de vacinas, testes e outros insumos, culminando na prisão em massa de toda a cúpula da SES-DF há alguns meses. A renomeação do Secretário Okumoto, que já não tinha sido muito eficiente em sua primeira passagem pelo cargo, deu a impressão de total falta de opção do governo para nomear uma pessoa à altura do desafio.
Aliás, pessoas à altura do cargo de Secretário certamente existiriam não só na imensa máquina púbica do GDF, mas também nos setores acadêmicos da cidade. O problema, certamente, foi o de não se encontrar alguém revestido de sintonia partidária ou ideológica com o errático feitio populista, subserviente e conservador do atual governante local.
A atual trajetória caótica do plano de vacinação que vem sendo implementado na cidade, com agendamentos pela internet que não respondem; filas gigantescas; postos que não recebem vacinas até as 10 horas da manhã; omissão nas segundas doses; informações desencontradas, etc mostra bem uma síntese da performance do governo na presente pandemia. É a cereja visivelmente deteriorada que coroa o bolo…
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Em suma, os equívocos de logística e de comunicação são evidentes, evidenciado o despreparo do governo como um todo na resposta à pandemia. Isso para não falar da inclusão indevida de diversas categorias profissionais nas prioridades de vacinação, como bancários e agentes de segurança, deixando de lado categorias mais significativas em termos de proteção.
Enfim, podemos até experimentar algum alívio ao vermos alguns indicadores, como por exemplo o número de mortos e o acúmulo de casos de Covid, começarem a dar mostras de estarem cedendo, mas não seria hora de baixar a guarda, muito antes pelo contrário. As novas variantes do vírus já nos ameaçam ali da esquina. E a depender da perspicácia e da responsabilidade política e técnica dos que estão no comando da Saúde Pública no DF, o melhor que fazemos é nos acautelar mesmo.
*Flávio de Andrade Goulart é médico, professor de Medicina na UFU e na UNB, secretário municipal de Saúde em Uberlândia e é sobrinho do poeta Carlos Drummond de Andrade.