Rafael Moia Filho*
“Hoje as torturas são chamadas de “procedimento legal”,
a traição se chama “realismo”, o oportunismo se chama
“pragmatismo”, o imperialismo se chama “globalização” e as
vítimas do imperialismo se chamam “países em via de
desenvolvimento”. O dicionário também foi assassinado pela
organização criminosa do mundo. As palavras já não dizem
o que dizem ou não sabemos o que dizem.” Eduardo Galeano!
Se existe um assunto que não sai da cena política nacional é a urna eletrônica. Basta nos aproximarmos de um ano eleitoral e começam as discussões e ilações sobre o funcionamento da mesma, as suposições sobre fraudes e uma série de teorias das conspirações. Lembrando que antes dela existir e ser implantada, os eleitores votavam utilizando cédulas de papel, totalmente vulneráveis. Inclusive, permitindo que o voto em branco se transformasse nas mesas de escrutínio em votos válidos.
O voto eletrônico começou a ser implantado no Brasil em 1996 e em 2000 o País abandonou totalmente o voto em papel. Em 2009, o Congresso aprovou em uma reforma eleitoral o voto impresso, mas o modelo foi barrado pelo STF.
O órgão foi unânime ao julgar inconstitucional o artigo 5º da Lei nº 12.034, que criava a exigência do voto impresso em novembro de 2013. O modelo estava suspenso desde 2011 por decisão liminar do plenário. Na época, a relatora da ação, ministra Cármen Lúcia, então presidente do TSE e atual presidente do STF, entendeu que a impressão colocava em risco o processo eleitoral por violar o sigilo do voto e poderia levar à coação do eleitor.
O voto impresso voltou à pauta com dois personagens centrais: o atual presidente Jair Bolsonaro (PSC-RJ), hoje pré-candidato à reeleição e o senador Aécio Neves (PSDB-MG), derrotado na disputa para o Palácio do Planalto em 2014.
Previsto na minirreforma eleitoral de 2015, o voto impresso enfrenta três grandes desafios para valer nas eleições de 2022: orçamento, ajustes técnicos e uma disputa no STF (Supremo Tribunal Federal). Em ação no STF, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, pediu a suspensão do sistema por entender que ele coloca em risco o sigilo do voto. A procuradora alerta que: “A norma [aprovada pelo Legislativo] não explicita quais dados estarão contidos na versão impressa do voto, o que abre demasiadas perspectivas de risco quanto à identificação pessoal do eleitor, com prejuízo à inviolabilidade do voto secreto”.
De acordo com o texto aprovado pelo Congresso, a urna eletrônica imprimirá o registro de cada voto, que será depositado, de forma automática e sem contato manual do eleitor, em local previamente lacrado. “O processo de votação não será concluído até que o eleitor confirme a correspondência entre o teor de seu voto e o registro impresso e exibido pela urna eletrônica” destaca a norma aprovada.
Dodge destacou que pessoas com deficiência visual e analfabetas não teriam condições de conferir o voto impresso sem o auxílio de terceiros, o que violaria o sigilo.
Em consulta, sobre o assunto, a um amigo analista judiciário que trabalha há muitos anos no TRE, o mesmo me disse o seguinte:
a) Trata-se de uma solução para um problema inexistente, pois não há fraudes nas urnas e mesmo que houvesse essa não seria a melhor solução para saná-la;
b) Essa “solução”, além de desnecessária, é absurdamente cara para um país com os problemas atuais que temos, que já gasta desnecessariamente um absurdo com um sistema eletrônico de votação igualmente caro;
c) A fraude na urna é uma memória coletiva e anacrônica da nossa cultura, mas ela é totalmente desnecessária hoje em dia, já que a fraude se dirige com muito mais eficiência contra a consciência dos eleitores. Um sistema de marketing eleitoral poderoso que consegue transformar um candidato medíocre em um governador, senador ou presidente, conseguindo milhões de votos não precisa violar urnas para ter êxito?
Antes de pensarmos em fraudes, é necessário que levemos ao eleitor informação, que o sistema eleitoral brasileiro seja discutido no ensino médio e superior. É preciso que nossa educação seja melhorada e que nossos professores sejam valorizados e respeitados.
É incoerente que um país detenha uma tecnologia avançada e seja alvo de suspeitas de eventuais candidatos derrotados, mesmo que estes tenham cometido crimes como Caixa 2, rachadinha, propinas e desvios de verbas de campanhas durante o processo eleitoral. A alternativa do voto em papel é retrocesso perigoso demais para nossa frágil e incipiente democracia. Se aprovarmos o voto impresso, o próximo passo será exigir uma foto do eleitor declinando seu voto?
*Escritor, Blogger e Graduado em Gestão Pública.