Ana Maria Coelho Carvalho*

Uma crônica de Antônio Prata, publicada há tempos na Folha de São Paulo e intitulada “Sua vez”, ilustra bem como os pais atuais andam participativos na criação dos filhos.
Ele conta que estava sonhando. Vinha voando, planando devagarzinho, como naquele banquete no final do filme do “Asterix, só que o banquete era no jardim da sua avó. Voava em direção a um javali e, quando estava quase dando uma dentada no glorioso pernil do animal, uma dedada em sua costela chamou-o de novo ao mundo dos vivos: -“Acorda, é sua vez, vai lá que ele tá chorando faz tempo.” Levou uma eternidade para entender que não estava voando, não havia javali nem banquete, eram 4h da madrugada, seu filho estava chorando e ele precisava tomar uma atitude. Respondeu sonolento e com ressaca das cervejas da noite anterior: -“Eu fui à uma!”. Do outro lado da cama veio a resposta incontornável: -“Eu fui às três!”. Não teve dúvida de que seria ele a deixar aquela cama quentinha e sair tropeçando na noite escura. Talvez tivesse que fazer mamadeira ou trocar a fralda. Acabaria com cocô nas mãos, nos braços e poderia levar um jato de xixi na testa. Nessa hora, não se sentia mais uma pessoa boa, um pai esforçado, um filho da revolução cultural dos anos 60 que acredita em direitos iguais para homens e mulheres. Sentia-se um monstro cujo objetivo era continuar dormindo e só enxergava o travesseiro. Pensou em não ir, mas seria divórcio na certa. Pensou em dizer que não iria porque trabalhava o dia inteiro pra sustentar a família. Mas a mulher também trabalhava e não ia dar certo. Pensou em agir como um homem dizendo que iria até a esquina comprar cigarro e nunca mais voltaria. Mas para isso teria que abrir mão do seu bem mais precioso naquele momento, a cama. Entorpecido pelo sono, pela ressaca e pelo choro do bebê, pensou em tantas pessoas que não teriam trocado uma fralda sequer. Sentiu inveja dos colonizadores europeus. Do exército do Genghis Khan. Dos romanos e gauleses. Homens num mundo de homens, para homens. Passou então a maldizer o iluminismo, a psicanálise, o século XX, os hippies, a Yoko, a Leila Diniz, o parto humanizado, as peladonas de protesto. Recebeu outro cutucão: -“Vai! É a sua vez!”. E ele foi, praguejando contra a injustiça de um mundo justo.
Pensei no Zé, meu finado marido. Nunca ele se levantou à noite para cuidar de filho, e olha que são seis! Certa noite, com um bebê e quatro crianças de dois a seis anos, todas gripadas e de nariz entupido, eu já tinha me levantado quinze vezes. Na décima sexta, dei uma cutucada nele: -“Vai, agora é você”. Depois de uma eternidade, ele se sentou na beirada da cama e por lá ficou. Dei outra cutucada e ele disse: -“Se eu me levantar depressa, fico tonto e caio” . Desisti de vez. Bem, o Zé ao menos tentou. Pior foi o meu padrinho Pereira. Fazendeiro bonachão, quando minha madrinha cutucou-o para cuidar do filho que berrava, virou-se para o outro lado da cama e disse: -“Faz assim: você olha a sua banda e deixa a minha banda chorar”…
Neste mês de agosto, quando se comemora o dia dos pais, parabéns a todos os pais. Aos que cuidam dos filhos à noite, fazem mamadeiras e trocam fraldas. E também aos que não fazem isso, mas que conseguem ser bons pais, cada qual do seu jeito. Que sejam sempre os heróis dos seus filhos e caminhem com eles ao longo da vida, como na música do Fábio Jr: -“Pai, você foi meu herói, meu bandido, hoje é muito mais que um amigo; nem você nem ninguém tá sozinho, você faz parte desse caminho, que hoje eu sigo em paz”.

*Bióloga – Uberlândia – MG – anacoelhocarvalho@terra.com.br