Percival Puggina*
Segundo consegui ver pelo Google, não ganhou devido destaque na mídia militante brasileira a frase mal educada e irreverente de Yang Wanming, Embaixador da China. O embaixador atingindo as crenças da imensa maioria da população brasileira, fez uma afirmação que soa absurda e hipócrita para quem conhece o comunismo chinês e a situação das religiões no país e no Tibet. Assim tuitou o sr. Yang:
Quem é Deus? O Povo é Deus, é o povo que faz a história e determina a história.
Para o jornalismo mais praticado hoje no Brasil, que só tem um alvo e um objetivo, esse é um não assunto. Então, vejamos. A Constituição chinesa afirma:
A República Popular da China é um Estado socialista subordinado à ditadura democrático-popular da classe operária e assente na aliança dos operários e camponeses. O sistema socialista é o sistema básico da República Popular da China. É proibida a sabotagem do sistema socialista por qualquer organização ou indivíduo.
Em sequência, repete, várias vezes, que:
Sob a égide do Partido Comunista da China e a inspiração do marxismo-leninismo e do pensamento Mao Zedong, o povo chinês de todas as nacionalidades continuará a aderir à ditadura democrático-popular e a seguir a via socialista (…).
Desnecessário explicar que ditadura é ditadura, por mais que se acrescente o refrão “democrático-popular” tentando adocicar o que é por natureza amargo. Para que não haja dúvida do caráter não democrático dessa ditadura basta afirmar que só há um partido político na China, não existindo, por consequência, espaço para qualquer forma efetiva de oposição política. Já o caráter efetivamente comunista desse “socialismo” se afirma e reafirma no nome do partido, na confessada inspiração tanto no marxismo-leninismo quanto em Mao Zedong.
Com tais influxos filosóficos e sob uma ditadura com esse perfil, cabe indagar, aparte a grosseria de dar publicidade a tal pensamento na imprensa do país que o hospeda: que espécie de Deus pode ser o povo submetido a uma ditadura? Nas condições em que se descreve a realidade chinesa – inclusive quanto a perseguição religiosa – a única divindade institucionalmente reconhecida na ditadura chinesa é o Partido. O Deus do embaixador é esse supressor de liberdades e do direito à vida, juiz supremo e caricato salvador, que exige para si uma fé não religiosa, não amorosa, não salvífica, cujo nome real é servidão.
*Percival Puggina (76), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A Tomada do Brasil. Integrante do grupo Pensar+.