Marília Alves Cunha*
Tivemos uma época de ouro no Brasil, uma época em que o espírito dos brasileiros se animava com a perspectiva de acabar de vez com a corrupção. A Lava Jato tomou a sí a nobre e importante missão de por fim a um ciclo vicioso de roubalheira sistematizada, envolvendo um grande número de pessoas, empresas, estatais, instituições e os três poderes da República. Chocou-nos sim, a descoberta trágica de tamanha proporção. Sabíamos da corrupção, já que ela tinha assento há muito tempo na república do Brasil. Mas jamais tomamos ciência do grau a que se elevara. Foi um susto monumental!
Esta época de ouro, de súbito, foi enterrada e sepultada com a negação pelo STF de todos os fatos tristes e clamorosos que compunham um arsenal de processos, provas fatos indiscutíveis e sentenças já promulgadas… Afronta incomum a elementos da investigação, que colheram substancioso material probatório, delações e testemunhos e a vários tribunais que julgaram e condenaram. A impunidade venceu! Isto para o país é uma tragédia. Quando a impunidade vence o país fica diminuído moralmente e sujeito a mais corrupção. Para os bandidos nada mais promissor do que se sentirem protegidos pela lei e encorajados a persistir. Sentem-se capazes até de concorrer a cargos eletivos, golpe baixo numa democracia plena.
A corrupção mata! Não só sentimentos, mata pessoas, tira vidas. Mata vários direitos dos quais o cidadão é destinatário, mas mata diretamente na questão da saúde. Quanto dinheiro, usado sem escrúpulos e surrupiado dos cofres públicos poderia ter sido usado corretamente na melhoria dos serviços de saúde pública, permitindo que todos os brasileiros tivessem qualidade de atendimento. O desvario dos corruptos nunca permitiu. Pagamos impostos escorchantes para, depois, mendigar tratamento médico muitas vezes insuficiente e de má qualidade. E morremos, vítimas da corrupção, da negligência, do descaso, que sempre tiveram presença no Brasil…
Quando a pandemia chegou, vinda lá da distante “Terra do Sol Nascente”, país de sua origem (ainda não explicada), através de doença virulenta para a qual não há remédio (a não ser alguns proibidos de serem receitados e até comentados)e vacinas experimentais, algumas de efeito controverso, a humanidade se apavorou. Viramos prisioneiros das máscaras, da solidão, fechamos as portas de nossas casas, deixamos de conviver com amigos e parentes, cortamos as comemorações de datas festivas, abandonamos os ritos religiosos e o pranto nos velórios. Ficamos entregues à exasperação e ao medo, vigiando nossos corpos à espera de qualquer sinal que denunciasse a presença do vírus. A pandemia encontrou um país onde a saúde pública sempre foi relegada a segundo plano, onde os governos nunca cuidaram deste essencial aspecto como deveriam ter cuidado. Tudo isto foi providencialmente esquecido. Ignorado. Surgira uma oportunidade ímpar de jogar nas costas de um presidente que acabara de chegar, toda a responsabilidade pelo avanço da doença, num jogo político sujo e completamente desinteressado em discutir providências e trabalhar no combate ao problema. O foco, desde o início era incriminar o presidente e seus ministros.
Finalmente, vendo todos os planos frustrados, criaram uma CPI que, francamente, nos envergonha e nos faz enxergar diretamente a que ponto chegamos. Uma CPI que blinda os corruptos e massacra os que estão verdadeiramente no combate, sofrendo o ardor da batalha. Da corrupção, a velha e conhecida corrupção é proibido falar. Dela tiraram proveito governadores e prefeitos que, usando do estado de calamidade e urgência presentes numa pandemia, roubaram e desviaram dinheiro de maneira até imprudente, sem cuidados, com a imprudência e descuido daqueles que esperam nunca ser descobertos e, se descobertos, contar com o beneplácito da justiça e com a instituição impunidade que chega a ser regra em nosso país.
E dá-lhe nesta CPI “feixo de luz”, que depois se embrenhou na escuridão, dá-lhe obscurantismo, que se nega a ouvir os fatos que poderiam trazer mais claridade e verdade às interrogações, dá-lhe perseguição feroz e insana que torna investigados todos os aliados do presidente, dá-lhe Witzel e a tentativa de alça-lo a anjo de primeira grandeza, depois do despropósito de convocá-lo sem mais nem por que… E dá-lhe descortesia, descompromisso, imprudência aos desaforados que, num ato covarde, hostil e infantil, completamente fora da seriedade de uma CPI, deram as costas e saíram do recinto, deixando de ouvir as pessoas que foram convidadas a comparecer. Brincadeira…
Para que existem as CPIs? Pessoas com autoridade para formar uma CPI se reúnem para ouvir, fazer perguntas, requisitar informações, determinar providências, solicitar documentos, pedir quebra de sigilos e até prender, se for o caso e tudo mais que está expresso na lei maior. O que não pode uma CPI? Antecipar um relatório, destratar e oprimir convocados ou convidados a prestar esclarecimentos ou testemunhar, cortar a fala dos depoentes quando elas não interessam aos seus propósitos, não admitir o contraditório, emitir suas próprias opiniões a respeito do caso e chegar a desmentir os depoentes, bater boca com os depoentes, desrespeitando o direito deles dizer sua própria versão , tirar conclusões precipitadas e expô-las a público como se tudo já estivesse consumado, julgar e punir.
Uma pena. Ao invés de estarmos conversando a sério, discutindo meios de atacar o problema, estudando, analisando e estabelecendo parâmetros para melhorar a nossa capacidade de enfrentar outras pandemias( que virão, de acordo com os cientistas) assistimos a um espetáculo circense (que me perdoe o pessoal de circo). Quanto malabarismo, quanta queda, quanta palhaçada, quanta mágica mal feita, quanto emaranhado numa rede de interesses dúbios. É amedrontador pensar que a vida humana tornou-se insignificante demais, diante de uma mundo materialista e insensível, para o qual a tragédia humana é apenas mais um motivo para corromper, manchar reputações e retomar o poder.
*Educadora e escritora – Uberlândia – MG