Marília Alves Cunha*

Se algum bom escritor quisesse escrever um livro com o pé fincado no surrealismo, caracterizado pelo desprezo dos enquadramentos lógicos e ativação do inconsciente e irracional, deveria focar-se no Brasil. Aqui encontraria campo fértil para desenvolver a obra, fiel aos acontecimentos. Gastaria pouca criatividade, porque o surrealismo se mostra surpreendentemente presente.

Através de uma canetada de um Ministro do Supremo e com apoio do resto da turma, um presidente reconhecidamente criminoso, julgado e condenado em três instâncias por juízes de verdade, teve sua liberdade decretada e anulados todos os processos e crimes que lhe foram imputados. Num passe de mágica tornaram o ex-presidente capacitado a disputar pleito eleitoral, apesar de sabermos todos que nenhum crime foi desfeito e que não existe rastro de inocência na história.

Mas o criminoso, agora livre, sonha com o retorno ao poder e quer a qualquer custo ser presidente do Brasil e dos brasileiros, este mesmo Brasil que ele espoliou, este mesmo povo que ele explorou no bolso e na mente, por um longo e tenebroso espaço de tempo. Meio que nas sombras, nem tanto assim, já que o moço saiu da cadeia por obra e graça dos mesmos que fizeram a alegria do ex, um fiel “cumpanhêro” traça a agenda de reuniões e encontros com políticos, Centrão e o diabo a quatro, com o pensamento no processo eleitoral de 2022. O ex-presidente se move com desenvoltura e a habitual arrogância, sem denotar arrependimento, vergonha ou consciência pesada pelos crimes praticados. Ao contrário, continua se achando o salvador da pátria, no que é fartamente auxiliado por uma parte da mídia que sonha com o retorno dos privilégios que mantinha á custa do erário público.

Todo brasileiro deveria fazer uma retrospectiva séria da história política deste país e inflar-se de indignação. Criminoso impune no poder é a pior coisa que existe. A impunidade gera aquela autoconfiança que faz o criminoso, ensejando oportunidade, repetir em dose dupla seus erros e seus crimes. Isto acontece principalmente com aqueles que não se mostram vexados, envergonhados pelo mal praticado e cuja consciência ou não existe ou relaxou-se por completo…

Os criminosos estão na rua, gozando de uma liberdade sem merecimento ao mesmo tempo que acontece, no país surreal, uma CPI da Covid 19, cujo objetivo, apesar de estar enfeitado com outras palavras é simplesmente desmoralizar o governo federal e, se possível, roubar a coroa do rei… Enquanto isto pessoas inocentes são levadas a um tribunal inquisitorial ( a CPI nada mais é do que isto), constrangidas e humilhadas. Erros talvez tenham cometido, sem deliberação e sem dolo. Quem não errou no enfrentamento desta coisa esquisita que veio de longe e tem dado rasteiras em humildes e poderosos? É até engraçado ver aquela tribo fazendo perguntas, com expressões sérias ou discutindo, tentando passar a impressão que estão realmente preocupados com o povo e com a saúde pública. Portam-se como bastiões da moralidade com honestidade inatacável, dignos de apontar o dedo, de julgar quem quer que seja. Tive a curiosidade de consultar a ficha corrida de cada um e, valha-nos Deus, a maioria responde a processos e estão livres, por salvaguarda do fôro privilegiado e uma Corte que não tem pressa em julgar… A oposição tenta deitar e rolar e, desgraçadamente, a gente pode observar como tem gente despreparada, medíocre e mesquinha sentada nas cadeiras do senado. O mais insólito é ver as atitudes do relator da CPI, quando a resposta do inquirido não sai exatamente como ele quer, com suas perguntas capciosamente elaboradas. Fica terrível e visivelmente nervoso. O circo está armado. É um show de pegadinhas, uma farra, um escárnio, um espetáculo bizarro e grosseiro que nada acrescenta ao país, principalmente nos tempos difíceis que estamos vivendo.

A pandemia, como o próprio nome indica, está no mundo inteiro. A Ciência ainda não a controla e não existe tratamento específico. Tudo é muito pragmático e inseguro e nem as vacinas, pelo visto, estão demonstrando eficiência e segurança totais, ainda estão sob provas e apresentam, algumas vezes, efeitos adversos. O vírus não se restringe a sua originalidade, transmudando-se em cepas e variantes mais agressivas, tornando tudo mais difícil. A realidade é esta: enfrentamos um monstro invisível que tem imposto ao mundo flagrantes derrotas, numa guerra desigual e injusta. O planeta todo está nesta luta, não poderia ser diferente no Brasil. Países ricos, pobres, grandes, pequenos tentando criar uma maneira de voltar á normalidade desejada por todos. Todos procurando, entre erros e acertos, unir-se e trabalhar juntos na procura de soluções.

Apenas no Brasil, neste país maravilhoso, habitado por gente boa (na maioria) não podemos ter paz nem para viver e sofrer uma pandemia. A politicagem entra em cena, comandada por malfeitores uusuais, que armam um verdadeiro circo com o fito de criar dificuldades e vender facilidades, como sempre têm feito. Que tristeza!

*Educadora e escritora – Uberlândia – MG