Foto: Ascom/UFU

Testes in vitro mostram ação de inibidor no combate de células tumorais do câncer de mama.
Procedimento de coleta de sangue dos animais, realizado por veterinários e com a autorização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e Comissão de Ética na Utilização de Animais (CEUA). Foto: Arquivo da pesquisadora
Bloco 2E do Campus Umuarama, na Universidade Federal de Uberlândia (UFU): esse é o endereço do Laboratório de Bioquímica e Toxinas Animais (LaBiTox). Focado no isolamento de toxinas presentes em peçonhas de serpentes e na investigação do potencial farmacológico e terapêutico dessas moléculas, o laboratório vem desenvolvendo pesquisas relacionadas ao tratamento de doenças, sob a coordenação de professoras do Instituto de Genética e Bioquímica (Ingeb/UFU). Foi em uma dessas pesquisas que a capacidade antitumoral de um elemento presente no soro da serpente Crotalus durissus collilineatus, popularmente conhecida como cascavel, foi descoberto.
O estudo é realizado pela doutoranda Sarah Gimenes, sob a orientação da professora Veridiana de Melo Rodrigues Ávila, e teve início com o projeto de iniciação científica da aluna, ainda durante sua graduação em Ciências Biológicas na UFU. Nessa primeira fase, o trabalho realizado foi de purificar o soro retirado da cascavel.
Até então, já era descrito na literatura na área que essas serpentes produzem proteínas circulantes no sangue que têm a capacidade de neutralizar o próprio veneno, caso ocorra um “autoacidente”. “Começamos a testar com os venenos que já tínhamos em laboratório, fizemos os testes de incubar o soro com o veneno e ver as ações inerentes a ele. Vimos que o soro da serpente neutralizava algumas atividades”, relata.
Com o fim da graduação, Gimenes deu continuidade à pesquisa durante seu mestrado em Genética e Bioquímica na universidade. O próximo passo foi identificar qual era o elemento presente no soro capaz de inibir as ações do veneno e, para isso, as pesquisadoras utilizaram técnicas de caracterização da estrutura e funcionalidade dele, com a intenção de “demonstrar que o inibidor era capaz de reconhecer e diminuir a atividade tóxica de Fosfolipases A2 presentes na peçonha das serpentes”, explica Gimenes.
Segundo Ávila, a Fosfolipase A2 é uma enzima que está presente no veneno das serpentes e também nas células tumorais, sendo que o principal mecanismo de ação dessa molécula é inflamatório. “Então pensamos: se a molécula inibe as fosfolipases A2 das serpentes, será que não inibiria outros tipos de fosfolipases?”, conta a professora.
A resposta para a pergunta veio durante o doutorado de Gimenes, quando a pesquisa se voltou para a ampliação da aplicabilidade terapêutica do inibidor, com testes em células tumorais humanas in vitro, especialmente células do câncer de mama. A pesquisadora conta que “nesta etapa da pesquisa foi possível entender melhor o efeito antitumoral do inibidor e demonstrar que, além de não ser tóxico para as células não-tumorais (normais), ele atua preferencialmente em células tumorais do câncer de mama, levando essas células ‘doentes’ a um estado de inibição da sobrevivência e indução de um estado de morte programada”.
Nove anos depois do início da pesquisa, o inibidor descoberto recebeu o nome γCdcPLI e teve sua patente registrada no Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), relatando todos seus potenciais efeitos. Entretanto, os estudos não estão concluídos.
Foto: Arquivo do pesquisador
Atualmente, Gimenes está na Universidade de Salzburg, na Áustria, finalizando seu doutorado com o desenvolvimento de um projeto para a produção heteróloga do γCdcPLI, ou seja, tentando, a partir de ferramentas da biotecnologia e biologia molecular, criar o inibidor em laboratório por meio de bactérias. Essa produção possibilitaria o desenvolvimento dos próximos passos da pesquisa, que estes estão associados a testes in vivo e ao aprofundamento dos estudos para entender os mecanismos de atuação do inibidor. “Vale ressaltar que, para a execução dos testes em modelos in vivo, é preciso uma quantidade maior da proteína, e nós não conseguimos estas quantidades a partir do soro das serpentes”, afirma.
Com todos os resultados alcançados até aqui, surge o questionamento da possibilidade do desenvolvimento de medicamentos para o tratamento do câncer de mama. Entretanto, Ávila explica que o processo para isso não é simples. “Para que possam ser diretamente utilizados para a cura de uma doença tem um caminho longo ainda. Eles [os estudos] geram conhecimento para que a indústria farmacêutica possa gerar novos fármacos com ações diferenciadas. Estamos no caminho, gerando e demonstrando o potencial dessas moléculas, que são produtos da natureza. Quem sabe a partir daí possam ser criados fármacos usados pela sociedade”, conclui a professora.