Percival Puggina*

“Nossa Constituição foi feita para um povo moral e religioso. Ela é totalmente inadequada para qualquer outro”. John Adam (2º presidente dos EUA).
Sempre é bom lembrar que alguns anos antes dessa significativa afirmação, ao declarem a independência das colônias, os Founding Fathers, afirmaram sua crença em que os homens, “criados iguais”, foram “dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis” e explicitaram entre esses direitos “a vida, a liberdade e a busca da felicidade”. Afirmaram, também, a supremacia da sociedade sobre o Estado, “porque os governos são instituídos entre os homens”, derivando seus poderes “do consentimento dos governados”. Boa parte da solidez institucional dos Estados Unidos se deve a esses elevados consensos e perdurará enquanto eles resistirem ao severo ataque interno a que estão submetidos.
E nossa Constituição? Para que povo foi ela feita? Tão solenes princípios de nada nos acusam nestes turbulentos dias? Com eles, certamente, teríamos evitado a atual alienação da nação ao Estado e a dupla apropriação que nele ocorre – a apropriação desde o topo pelo patrimonialismo casado com a corrupção e a apropriação interna promovida pelos corporativismos. Na conjugação de ambas, a soberania popular se converte em servidão.
Alguém não sabia o que havia no fim dessa estrada? Pode o dependente químico queixar-se da droga ou denunciar o traficante com base no Código de Defesa do Consumidor? Pois é algo muito parecido o que está acontecendo com a sociedade brasileira em relação à sua representação política. Todos os pilantras, picaretas e negocistas que infestaram a política nacional de modo crescente ao longo dos últimos anos prosperaram na carreira criminosa tapados de votos populares. Fizeram suas mal havidas fortunas a olhos vistos. Muitos, aliás, chegaram em Brasília de ônibus, vindos dos grotões, pés encardidos, calçando sandálias. E foram protagonistas da mais vertiginosa ascensão social de que se tem notícia. Em cada uma de suas páginas, os jornais trazem exemplos dessa produtiva combinação de desmazelo social, irresponsabilidade cívica e enriquecimento criminoso.
De tanto brincarmos com tudo que é sério, o Brasil virou uma grande zorra. Fazemos piada de Lula. E o elegemos. Fazemos piada de Dilma. E a elegemos. Assistimos as tropelias do MST e tratamos com deferência seus protetores nos poderes do Estado. Consideramos charmosamente moderna a fabricação de conflitos étnicos, de sexo, de classe, de cor da pele, de gerações. Acreditamos quando alguns vigaristas intelectuais nos dizem que é feio ser liberal ou conservador. Silenciamos, constrangidos, quando políticos e comunicadores são benevolentes com a criminalidade e severos com a polícia. Delegamos a educação de nossas crianças às escolas e aceitamos que estas sejam entregues a militantes políticos. Assinamos, assistimos e prestigiamos veículos de comunicação que influenciam negativamente a sociedade. Estamos vendo o PT apoiar ditaduras de esquerda em Cuba e Venezuela e permanecemos passivos quando nos lecionam sobre golpismo, Estado de Direito e democracia… Somos tolerantes com as imposições e os achaques de minorias locais organizadas. Achamos decente endividar-se o país e indecente o pagamento dessa dívida. Afastamos Deus de tudo que seja público e nos espantamos com quem chega, operoso, para ocupar o espaço. Dá ou não vontade de dizer bem feito?

* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do sitewww.puggina.org, colunista de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.