Roberto Bueno

O Brasil conheceu tempos em que o país teve de enfrentar-se e vociferar contra aqueles que Tancredo Neves gritou a plenos pulmões serem “canalhas, canalhas, canalhas”, os homens que sem vergonha ou pudor derrubaram o Governo João Goulart, concretizando o golpe de Estado de 1964, como se alguma ameaça estivesse no ar, comunista ou de qualquer outro tipo. Não havia. Como naquela década, recentemente observamos ecoar no mesmo espaço legislativo planaltino a voz do Senador Lindbergh Farias no mesmo tom endereçada a homens de similar falta de caráter. Hoje estes gritos se revelam insuficientes para descrever a íntegra dos atores que temos em frente. Hoje os únicos gritos possíveis contra o poder estabelecido são de outra monta: bandido(s), bandido(s), bandido(s)!
Cena um. Um homem senta à cadeira para a qual não lhe foi outorgado mandato. Cena dois. Orgulha-se de realizar políticas públicas sem nenhum apoio popular. Cena três. Orgulha-se de não ter pretensões políticas e de enfrentar as aspirações populares em favor das pretensões de enriquecimento da oligarquia a qual pertence. Cena quatro. Leva às últimas consequências o seu projeto político sustentando-se na compra de votos, sem que os seus apoiadores reconheçam tratar-se de alguma antirrepublicana ação política. Epílogo. O Governo cai, traído por um seleto grupo de comparsas, todavia inflamados pela natureza traidora, muito embora agora não traiam um Governo legítimo como foi o de Dilma Rousseff.
Destituído de senso do ridículo, Temer se transformou de motivo de tragicomédia nacional à fundada razão de chacota internacional, e apontar para o Rei de Noruega (Haroldo V) como se se tratasse do Rei da Suécia (Carlos XVI Gustavo) foi, de longe, a menos grave. Tomar pito de autoridades internacionais, ser ignorado olimpicamente em foros internacionais como o G-20 recentemente finalizado em Hamburgo, na Alemanha, tudo isto temperado por declarações estapafúrdias sobre as realizações de seu governo o aumento do desemprego! Ao menos uma vez disse a verdade. Mal-ajambrado em seu jaquetão ao estilo Sarney, enfim, Donald Trump resumiu a ópera para um de seus auxiliares: “Quem é este velho esquisitão? Não fosse Trump o observador e teria descrito o personagem como um resumo deficiente sem inspiração da direita autoritária brasileira conservadora subserviente antinacionalista. Mas se os dias são assim, com muita razão é preciso fortalecer o pensamento e a ação para responder aos desafios dos abusos e das arbitrariedades.
Pode parecer duro ou deselegante, mas muito mais duros e deselegantes foram Temer e a sua quadrilha de golpistas. Rigorosamente, foram muito grosseiros quando conspiraram desde 2015 e concretizaram o golpe de Estado em 2016, dominando absolutamente o Congresso Nacional, desrespeitando a vontade expressa do povo nas ruas impondo as suas esdrúxulas medidas unicamente favoráveis à oligarquia proprietária do poder. Não declarado pela mídia, este é o verdadeiro vandalismo que destruiu postos de saúde, fechou escolas, demitiu servidores que atendem a população carente, magnificou o desemprego, sangrou os cofres públicos e inviabilizou investimentos sociais de todos os tipos. Para tal tipo de projeto Temer e muitos de seus auxiliares hoje presos recorreram à tropa de choque da Polícia Militar e às Forças Armadas, convocadas para conter a ira da população. O genuíno vândalo não foi nenhum dos que foram às ruas para dizer não à Temer e a sua tropa de assalto aos cofres públicos, mas sim estes últimos que, um por um, e por desígnios impensados, foram sendo apresentados à população e conhecendo as agruras da vida no presídio: Cunha, Henrique Alves, Geddel… e a fila anda! Eis a direita.
Malgrado todos os pruridos, é preciso admitir o óbvio: o único lugar que Temer realmente merece é a cadeia, da qual se aproxima na medida em que se concretiza a possibilidade de seu afastamento nestes dias em que Lúcio Funaro ameaça delatar. A este cenário de exposição da verdade sobre os homens que golpearam a democracia brasileira destituindo Dilma Rousseff também se soma a iminente delação de Eduardo Cunha, a quem a pressa começa a causar ansiedade em face de que logo perderá a sua moeda de troca quando as suas informações deixarem de ser relevantes para as autoridades. Tem razão para a pressa.
Envolto no que resta de seu séquito, Temer já observa desde a frieza da solidão do Planalto que talvez a prisão já não lhe resulte assim um lugar tão estranho e gélido, habitada que está por seus grandes companheiros de jornada, muitos deles seus assessores diretos e companheiros de toda a vida, embora possa manter certo saudosismo daqueles que ainda estão do lado de fora, livres, como Eliseu Padilha e Moreira Franco, problema que logo deverá ser solucionado por novas decisões judiciais. Acaso ainda subsistam poderes constituídos no Brasil que honrem as suas funções e o régio pagamento mensal, indubitavelmente, o único sentido de sua manifestação pública será ordenar a prisão de Temer e de sua vanguarda do atraso.
Em face do descalabro recordemos que o malsinado coletivo de “atores econômicos” manifestamente não tem qualquer interesse pelo bem-estar popular nem em proteger as instituições democráticas. No caso brasileiro isto é flagrante, perceptível através das sucessivas manifestações de que o “que importa é a economia”, e que a interpretação da vida se dá exclusivamente através dos dados e estatísticas. E não se trata de que desconheçamos a importância das informações para a tomada de decisões, mas o caso é que os dados considerados são apenas aqueles que nada dizem sobre o bem-estar da população, mas tão somente informam sobre o crescimento da atividade econômica capaz de aumentar o lucro dos grandes empresários e da banca. É isto um país? É isto um Estado? É isto, acaso, uma comunidade? Não, é a pura direita. Isto leva a reiterar de quão cientes de que, como diz Luc Ferry, precisamos estar de que “Nada está perdido, o jogo não acabou. A moeda ainda está girando”.
O Governo Temer nunca esteve minimamente interessado em atender ao bem-estar da população e por isto não pode causar estranheza alguma que tenha diminuído exponencialmente os investimentos públicos, pois seu único cuidado por alocar recursos nas prioridades da oligarquia que o financiou. Temer é tão pequeno que apenas pensa a vida e a existência na primeira pessoa do singular, sua mente é incapaz de mais. Temer traiu Dilma Rousseff mas, sobretudo, à própria democracia brasileira, articulado com o seu grupo de atuais presidiários. Agora começam os dias em que conhecerá na própria carne a frieza da traição, eis que se sabe como é mais fácil organizar o grupo de malfeitores para roubar do que organizar a divisão do butim, e que o digam os assaltantes da agência do Banco do Brasil de Fortaleza, cujos R$160 milhões roubados em cédulas foram deixando um enorme rasto de sangue. Temer hoje conhece rasto similar, mas de traições, que lhe chegam de todas as agremiações com destaque para as fileiras do PMDB e do PSDB, fiéis parceiros no golpe. Hoje o Governo mantém-se momentaneamente unido a Aécio Neves devido ao pacto mefistofélico realizado com setores do PMDB dispostos a salvar o “mineirinho” d acassação certa em troca de sua mísera capacidade de arregimentar votos para salvar Temer. Abraço de afogados.
No rigor das coisas, Temer realmente nunca ocupou a cadeira presidencial. Talento singular para fantoche, esteve ali como um mero mandalete, um piá de recados do capital financeiro e das baixarias do baixo clero que ele tão bem conheceu no Congresso Nacional. Isto é Temer, um impotente disfarçado de imponente e onipotente. Nunca foi absolutamente nada e, no máximo, segundo seus aliados, uma pinguela frouxa e sem arrimo, e agora aguardamos como FHC descreverá Rodrigo Maia (o “Botafogo”), político feito do mesmo barro que seu antecessor, que tem por sogro o flamante Moreira Franco. Compartilham a visão de mundo autoritária, simplória, que parte de certezas para decretar verdades, dispensam o pensamento para impor os seus dogmas baratos. Homens sem ideias nem ideais, incapazes do pensar, ineptos para agir e inábeis para conduzir. São homens pré-modernos que orientam a racionalidade por uma de suas possíveis vias, a concretização do abuso do poder.
Traidor, Temer foi traído, e por muitos, mas nenhum deles sentirá qualquer linha de remorso por isto, eis que o personagem é publicamente reconhecido por sua qualidade íntima: um traidor golpista. Henrique Meirelles – o poderoso ministro da Fazenda de quem a mídia quer esquecer sua recente posição no altíssimo escalão na JBS – aspira ampliar os seus poderes em um próximo calendário (político) Maia, e foi capaz de persuasivamente aconselhar Temer a comparecer ao G-20, supostamente para passar ares de credibilidade ao mundo, enquanto nestas horas de ausência a articulação da ultimação da traição era consumada no Brasil para derrubar Temer. Neste breve interregno de tempo as últimas forças da base de apoio de Temer foram quebradas.
O Brasil está sendo sangrado agudamente, o orçamento público está sendo atacado e por um único motivo: um Presidente como Temer, acusado pela Procuradoria-Geral da República (PGR) dos piores crimes, custa muito caro à nação. O preço é diretamente proporcional à elevação de sua debilidade no cargo, e aumenta mais conforme se eleva a percepção dos atores políticos de que ele se torna insustentável. Esta fraqueza foi percebida com muita antecipação ainda na escuridão, ainda no meio da escuridão da mata, pelo sensível Renan Calheiros, o primeiro animal político a sentir o cheiro a queimado e sair em franca corrida para lugar seguro que distava muito de ser a base política do Governo. Na condição de crítico do Governo, Calheiros foi solapando a então monolítica base governista, aglutinando forças a pólo disponível para votar com a oposição, promovendo dissensões, projetando derrotas setoriais ao Governo, a ponto de que hoje Temer esteja sendo aconselhado por diversos aliados de que precisa rever, para baixo, os seus planos de governo, adotando projetos que não requeiram senão maioria simples para aprovação. Mesmo isto é muita pretensão. Agora é tarde, muito tarde, tarde demais.
Temer precisa abrir cada vez mais os cofres públicos para que lhe permitam dar os seus últimos e tão onerosos respiros. Dispõe de recursos que não são seus, consome recursos exclusivamente para postergar em algumas poucas horas a sua queda em face das gravíssimas acusações de corrupção que a PGR lhe imputou. Mas hoje quem se importa com a degradação deste cenário da vida política nacional? Onde estão os apoiadores do pato da FIESP? Por onde andam os indignados empresários que reclamavam da instabilidade política e da corrupção no Governo Dilma? Nenhum deles sobe à ribalta ou se sente prejudicado pelas barbaridades cometidas pela administração Temer. Nada parece incomodar a esta elite branca carcomida entusiasta aspirante ao regresso imediato e apressado à cultura dos engenhos, exceto se algum governo de plantão honrar com a “entrega” dos produtos que o capital financeiro internacional e seus subordinados nacionais tanto ansia. Este é quadro compatível com o que Amartya Sen classifica como típico do capitalismo global, cujo único interesse é apenas expandir o domínio das relações de mercado e em nenhum caso estabelecer a democracia ou os interesses e direitos sociais.
Em retrospectiva observamos que malgrado os amplíssimos prejuízos causados, Temer não conseguiu entregar todos os produtos que estavam à base de seu acordo com os financiadores do golpe, cujos interesses financeiros são determinantes do mercado e que agora definitivamente precisam remover o “velho esquisitão” desta sua posição de terceirizado na Presidência da República, posto que já se revela impotente para cumprir o seu papel. Temer já foi rifado, mas nunca pelo acúmulo de denúncias que justamente sofre, pois elas em nada interessam ao capital financeiro, avesso que é à dimensão ética da vida. Agora a confiança se consolida em Maia para que cumpra o que o vetusto e incompetente Temer já não pode entregar.
Quando os dias parecem mesmo tão insuportavelmente pesados, eis que surgem alguns recursos inusitados às mentes humanas. Foi assim que, alguma vez, já cansado de tantos e sucessivos assaltos, um já exausto vizinho redigiu mensagem endereçada ao “Senhor bandido”, a quem pedia que, por favor, o poupasse e procurasse nova vítima. Agora, é a nós, não menos exaustos, a quem cabe dizer: “Senhor bandido, levante-se desta cadeira, vá embora, vá enfrentar a sua sanha, vá enfrentar em idade provecta o seu destino de malfeitor-mor”. Levante-se desta cadeira, ande algemado até o seu destino como se dignidade para suportar os seus malfeitos tivesse, e suba e desfrute da maciez do camburão e dos períodos de reflexão final em vida que a cadeia possa lhe oferecer, onde talvez alguma piedade lhe invada. Contudo, quase nunca é suficiente reclamar ao malfeitor que se redima.
Temer continua sendo portador de um discurso completamente descolado da realidade, e vem sendo assim desde sempre, carregando em seu âmago o germe do velho mundo que pretende deter o nascimento do novo. O pequeno vetusto está prestes a ocupar a tétrica posição de mais solitário homem político desde que observamos em funções o último violinista do Titanic. Todos nós que restamos para realizar o parto do novo, titulares legítimos do poder político, precisamos escolher entre as direitas – e suas políticas antidemocráticas e avessas aos serviços públicos de que carece o povo – e as eleições gerais diretas, já.
Recordando Horkheimer, a lealdade à filosofia significa não permitir que o medo diminua nossa capacidade de pensar, o que neste contexto implica enfrentar o inaudito e encontrar alternativas, mas o mero pensar é absolutamente impotente quando a ele não se agrega o valor do agir, e desta convergência é que sobressai o que de mais genuinamente humano há. Não haverá alternativa para a crise política em que vivemos senão através do recurso ao poder político legítimo que não se constitui senão em um único espaço: as urnas. Direitas ou diretas? Eleições gerais e diretas, já!

Faculdade de Direito. Unb (Colaboração Ténica).