Cesar Vanucci*
“Tamo n’água!”
(Desabafo de Tia Ritinha diante de algum problema
difícil que pudesse colocá-la em estado de inquietação)
Estou me lembrando, aqui e agora, de uma tia-avó querida, Ritinha. Ela era contadora de histórias repletas de magia e encantamento nos meus risonhos e despreocupados tempos da meninice. Sempre que a barra pesava, toldando de sombras os acanhados horizontes dos afazeres domésticos que absorviam por inteiro suas energias na fase provecta da vida, ela puxava bem do fundo do peito suspiro prolongado, largando então um desabafo: – Tamo n’água!
Olhar perquiridor, aparelhos de percepção pessoal ligados a pleno volume, alma inquieta ao contemplar o panorama politico, social e econômico da atualidade brasileira, vejo-me compelido, caprichando para conseguir traduzir em tom brando o inconformismo do cidadão, a reproduzir o desabafo de tia Ritinha: – Tamo n’água! E, talvez, sem colete salva-vidas, com celular desligado, sem embarcação por perto mode prestar socorro.
O que acontece, nesta crise sem fim a vista, dando motivos a sobressalto e inquietação, é que se escancarou de vez a disposição do conglomerado “ecumênico”, multipartidário comprometido até o pescoço com a corrupção sistematizada, em abafar total ou parcialmente as investigações em curso, na tentativa de impedir punições. Não há como ignorar os ruídos das manobras sibilinas, desencadeadas em variadas faixas de atuação, com esse inacreditável propósito. Aliados circunstanciais no esquema montado para desviar recursos públicos de suas nobres finalidades sociais, grupos de comprovada vocação mafiosa, infiltrados nas atividades públicas e empresariais, valendo-se de toda sorte de artifícios, vêm procurando, sem qualquer margem pra dúvidas, embaraçar as apurações. É um tal de despejar casca de banana por tudo quanto é lado, de forma a provocar escorregadelas que possam afetar o andamento das definições legais e institucionais reclamadas na correção das anomalias detectadas nos negócios públicos, que vou te contar!…
Revelam-se abundantes, a esta altura, os sinais de uma singular efervescência, na realidade não adstrita apenas à penumbra dos bastidores, com vistas a alcançar uma “maneiração de barra” se possível geral e irrestrita. Numa observação mais atenta dos fatos dá também pra perceber que não poucas pessoas concentram-se no ingente esforço de livrar a cara, se não de todos, pelo menos de alguns dos elementos mais proeminentes emaranhados nas atordoantes trapaças vindas a furo. É bom ter presente, em hora assim, que o jogo das conveniências costuma abrir espaço para incontáveis astucias. A conjuntura sugere anotar o fato para conferir adiante.
Todo esse conjunto de evidências deixa-nos na certeza de que chegada a hora de uma aliança pontual, aglutinando as cabeças pensantes mais lúcidas das lideranças brasileiras, no sentido de que possam ser refeitos os rumos ora trilhados pelo país. Toda e qualquer iniciativa a ser assumida com o louvável intuito terá que ser inspirada, indispensável reconhecer, no autêntico sentimento nacional. Significa dizer que as diligências a serem adotadas terão que se balizar inflexivelmente pelo modelo democrático republicano mercê de Deus vigente em nossa sociedade. Isso importa em estabelecer, como alvo prioritário nas ações a desfechar, a retomada urgente do desenvolvimento econômico, com a reabsorção da mão de obra desempregada; o saneamento do sistema político deteriorado; o combate tenaz à corrupção; a implementação de reformas verdadeiramente inovadoras, precedidas naturalmente de debates aprofundados e com visão progressista de futuro.
Mesmo que a proposta de entendimento nacional nesse nível, implicando na convocação para a mesa de debates de cidadãos e organizações realmente representativos do pensamento e da ação social, possa soar utópica num primeiro instante, é preciso insistir na aceitação de que o diálogo em termos resolutos, criativos, socialmente sensíveis, serenos é a fórmula preconizada pelo bom senso para que consigamos nos desvencilhar a contento da enrascada em que nos meteram os interesses e ambições descomedidos e despropositados de certos grupamentos corporativos desapartados das regras saudáveis da convivência social. É do diálogo que nascerão as estratégias que melhor se coadunem com os interesses coletivos. Eleição indireta, como constitucionalmente previsto, eleição direta antecipada, com reforma constitucional, convocação de assembleia constituinte exclusiva para fixar as reformas desejadas: qualquer que venha a ser a estratégia escolhida, o que importa mais é que ela provenha da vontade majoritária nacional.
* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)