Roberto Bueno*

O Brasil hoje está acéfalo após apear do poder um governo democraticamente eleito e não dispor de forças políticas suficientemente arranjadas para reconhecer o quão íntegra foi a proposta da presidente Dilma de realizar eleições diretas movida exclusivamente pela preocupação em garantir a estabilização política que havia sido alvo do nefasto gângster falso-carioca, mineiro de péssimo jaez moral, et caterva. O Brasil hoje está acéfalo por força de que Temer é um ex-presidente em funções assinando documentos que lhe ordenam, em troca de apoios para a sua defesa.
Temer é isto aí, um boneco, marionete vazia cheia de acusações dos mais variados ilícitos, na dependência de usar a caneta presidencial para trocar favores que, eventualmente, possam salvar-lhe o pescoço. Não é isto extremamente mesquinho e pequeno para uma figura presidencial? Este é o preço que a maior parte do povo brasileiro está a pagar por sua inércia, pois quem não defende o seu sistema de liberdades está a dar o primeiro passo para perdê-lo ao primeiro aventureiro ou corƛo esvoaçante que surgir no horizonte e que abalroe as nossas vidas.
Naquele momento em que a oposição não aceitava a proposta da então presidente Dilma de realizar eleições diretas como forma de tangenciar a crise e criar uma nova base de legitimidade para o Estado brasileiro ficava já claro o que estava em causa, a saber, escalar à força a posição de mando para realizar um projeto exclusivo e espúrio de poder, cujos impensáveis limites hoje conhecemos. Hoje no Planalto não temos um Governo, mas um escritório de advocacia funcionando 24h por dia às voltas com a defesa dos interesses de Temer e, sendo necessário, a dar crédito à Veja, mobilizando órgãos do Estado como a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN), sob a chefia do Gen. Sérgio Etchegoyen, para realizar funções ilegais de espionagem daqueles que Temer avalia que podem ser perigosos inimigos, no caso, o ministro Edson Fachin.
Hoje no Palácio do Planalto vive um refugiado da ojeriza e repugnância popular, mas também de todos os seus muitos fantasmas. Vive ali um entrincheirado à espera da emersão de mais denúncias, uma atrás da outra, como uma avalanche da memória de uma vida mal-vivida e que agora no cair da existência vem cobrar todos os seus débitos. A agonia do mordomo no poder cercado pelos reais mordomos se projeta sobre a nação que aspira por justiça, e ele ali, ancorado em advogados e seguranças disponíveis para todo o tipo de serviços imagináveis a alto preço e contando com o seu malsinado ponta-de-lança que desrespeita as mais sagradas palavras e divinas togas vilipendiadas por este piá-velhusco que não se considera impedido, senão bem disposto para serviços gerais naquelas casas em que o povo não entra e a oligarquia deita. Difícil, muito difícil, triste e penoso, não recordar que uma quadrilha substituiu um Governo eleito que mesmo sob as maiores dificuldades estava a tentar realizar um projeto de país, mesmo quando extorquido e colocado em xeque, pagando pedágios justamente à quadrilha que se viria a se instalar no poder para, somente então, e diretamente, acessar às arcas públicas. Indubitavelmente, a gestão popular deparou-se com problemas e nem sempre fez as melhores escolhas políticas, mas ainda estávamos a viver sob um regime democrático escolhido pela população, e isto representa um avanço civilizacional assim demarcado pela teoria política liberal já há muitos séculos, vale dizer, que o governo legítimo é mesmo aquele escolhido pelo povo e que para ele governe.
Ao conjunto de leitores(as) que eventualmente mantenha dúvidas sobre todo este processo eu convido a que pensem se apenas com o trânsito de um ano e das novas informações que se tornaram públicas desde então, se haveria ainda apoio de qualquer um de nós ao processo de impeachment que fosse encabeçado hoje pelos mesmos atores jurídicos de então, e vale recordar: Aécio/Mineirinho, Cunha/Caranguejo, Jucá-/Caju, Temer/MT, Eliseu Padilha/Quadrilha, Moreira Franco/Gato angorá, José Serra, Aloysio Nunes Ferreira, Henrique Alves, dentre muitos outros menos votados. A pergunta é se eles teriam êxito e o apoio do(a) leitor(a) hoje ciente de que todos estes que se apresentaram como homens de bem não passam de homens de bens mal-havidos? Aécio Neves à testa, quem hoje poderia apoiar este falso líder da indignação nacional contra a derrota eleitoral em 2014? Embora sem data marcada, Neves tem um encontro marcado com a prisão, uma vez mais solicitada pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, enquanto Cunha já está preso há bom tempo e também condenado. Outros da trupe, Caju-Padilha-Angorá, estão todos próximos da caçapa e lutam desesperadamente para segurar Temer na cadeira presidencial justamente para manter o privilégio de foro de ministros, e assim ainda dispor de alguns ativos (públicos) para entregar a todos quanto (ainda) se disponham a vender a sua influência política para protegê-los do que parece ser inexorável.
Este grupo nunca deixou de ser o que agora tornou-se público e sucessivas vezes é contado por diversos atores e meios, delações, provas e gravações, mas mesmo assim as instituições que apoiaram o golpe se mostram altamente hesitantes, refratárias a prender os malfeitores. Nunca nenhum deles foi algo diferente daquilo que cheira mal e produz enjoos e regurgitos acentuados. Todas as grandes redações da mídia dominante deste país assim como também os financiadores do golpe de Estado sabiam precisamente quais eram as credenciais daqueles que estavam a colocar no poder através de sua omissão em veicular o seu real perfil. Não era apenas um grupo de pessoas não eleitas que estava em vias de substituir outras que haviam passado pelo crivo das urnas mas, bem mais do que isto, as grandes redações serviam como instrumento necessário para alcançar ao Governo quadrilheiros que lhes entregariam as riquezas e o conjunto de favores encomendados. Paulatinamente os fatos foram sendo descobertos, e os homens ganhando os seus contornos, vis, na medida em que a névoa finalmente vai se desfazendo e, logo, muito antes do que pudéssemos imaginar, o sol começa a brilhar e a face nefasta de todos os conspiradores contra a ascensão da qualidade de vida dos brasileiros vai sendo exposta, homens que entrarão para o inglório panteão dos genuínos traidores da nação.
Vencido este momento, o povo brasileiro precisará estar atento e disposto para apoiar a reconstrução do perfil de suas instituições, a começar pelo sistema de castas formado no Poder Judiciário e no Ministério Público que se mostram incapazes de intervir nos momentos mais difíceis da República. Será necessária uma profunda reforma no sistema de comunicação social, de sorte que recepcionemos os melhores exemplos de países em que a informação é tratada, de fato, como um bem público, e não como uma mera função de maximização de interesses econômicos de meia dúzia de famílias no poder. A informação precisa ser compreendida em outro patamar do que veio sendo até hoje, como uma pura mercadoria disposta para a venda conforme os interesses exclusivos (e excludentes) dos proprietários das grandes cadeias de comunicação que agem ao seu livre arbítrio à revelia dos reais titulares das ondas eletromagnéticas que utilizam para exercer a sua atividade.
Não menos importante, senão que central, a reforma dos partidos políticos urge, de sorte a garantir que lideranças populares tenham condições de acesso ao poder. Isto permitirá que desloquemos o Poder Legislativo do controle de atores descolados do interesse popular, que livremo-nos de um Congresso Nacional formado por empresários e figuras terceirizadas ao seu completo dispor, sempre a postos para vender os interesses mais caros dos trabalhadores brasileiros em favor desta sua casta que se projeta no domínio da vida nacional há centenas de anos sob variados disfarces.
A casta no poder é exclusivamente representativa destes interesses, exercendo com crueza o sacrifício da população, e o empresariado que hoje mantém Temer no poder o faz com um completo sem-pudor. São eles os mesmos que ontem, sem vergonha, apoiaram todos os golpes de Estado neste país sob os pretextos mais descabidos, talvez imaginando que fosse a “marinha cubana” (e não a norte-americana!) que poderia prestar apoio para a “cubanização” do Brasil. À falta de argumentos sempre foram capazes de inventar os mais incríveis motivos para abortar projetos nacionais de desenvolvimento e voltar a tomar as rédeas do que não lhes pertence, a saber, o poder político para determinar o projeto de redistribuição de riqueza em um país inaceitavelmente desigualitário.
O empresariado que hoje fecha os olhos, os ouvidos e o nariz para toda a podridão que emerge da cloaca temerista é absolutamente a mesma que patrocinou o afastamento de Dilma Rousseff. Qual o motivo? É tão simples quanto repugnante a reposta: o seu lucro em detrimento do bem-estar das mais depauperadas famílias beneficiárias de programas sociais. Este é o perfil daqueles que compõe a grande maioria ativa do empresariado brasileiro, logo mesclada com uma minoria discrepante e omissa. São estes empresários que vem dando as cartas sequer qualquer nota de rubor, pois foi “ontem” que estiveram a conceder entrevistas, supostamente alterados e irresignados, enumerando os crimes de que acusavam o governo eleito pelas urnas quando, em verdade, apenas queriam consolidar um novo regime que levasse ao precipício os direitos dos trabalhadores e aumentasse as suas taxas de lucro. Quanta mesquinharia de homens milionários que não se contentam com altas cifras mas ainda precisam verter o sangue de quem já tão pouco tem!
Rigorosamente, estes empresários nunca quiseram nada mais do que dinamitar os direitos dos trabalhadores e implodir com a Constituição cidadã de 1988. Os financiadores do golpe fiespianos nunca quiseram nada mais e nem aspiraram qualquer projeto desenvolvimentista nacional. Desejaram fazer triunfar de modo espúrio os seus desejos secretos de instaurar no chão de suas fábricas relações de trabalho típicas da pré-revolução industrial inglesa, tão ou mais duras sob o pretexto escravocrata da “competição de mercado”. Quem, em sã consciência, acredita que precisamos competir de tal modo no mundo do trabalho de sorte a morrermos sem tempo para desfrutar da vida ou sequer dos bens que adquirimos com esta tétrica corrida maluca que o discurso empresarial quer fazer crer aos trabalhadores que lhes interessa? Quem, em sã consciência, ainda pode crer que interessa trabalhar sabe-se lá quantas horas durante meses a fio para comprar bens para adornar um lar no qual nunca estamos e para não conviver com as pessoas que nos são caras? Agora, como vem sendo sempre o caso quando não é devidamente controlado à fórceps, o capital mostra a face de donos do capital que nunca conheceram a dor de perder pela força o que fazem questão de impor à ferro e fogo nos seus operários. Até quando estarão a incitar a violência contra si através da aplicação da violência nos outros?
Diria o cancioneiro que é preciso estar atento e forte para intervir quando o sol se por, pois mesmo quando os dias e as noites repletas de brumas e névoas parecem invencíveis em sua conjugação com os desfavores do alto-mar durante a tormenta, eis que logo conheceremos o amanhecer, e com ele, então, chegará o momento de agir e reconstruir, recordando dos bons companheiros dos momentos de adversidade. Será então que precisaremos estar atentos e fortes, muito atentos, e ainda mais fortes do que nunca. É preciso estar atento e forte pois não temos sequer tempo para temer à morte.

* Professor Universitário.