Cesar Vanucci *

“Uma ameaça incerta e indefinível”.
(Júlio Rodrigues, especialista militar espanhol em cibernética)

Como já é do conhecimento dos leitores, os ponteiros do “Relógio do Juízo Final” foram recentemente acionados em meio minuto, ficando a apenas 2 minutos e 30 segundos das badaladas fatídicas. Instituído por cientistas consagrados mundialmente nas áreas das ciências exatas e sociais, entre eles um punhado de personagens agraciados com o Nobel, o relógio mencionado representa sinistra metáfora destes nossos turbulentos tempos. Apresta-se a medir o grau da temperatura dominante nas atividades internacionais, marcadas como sabido por erupções periódicas de insanidade.
O noticiário nosso de cada dia agregou recentemente aos fatores de risco intensamente anotados na agenda das preocupações gerais da humanidade mais um elemento provido de avassaladora força destrutiva. Já não bastava o terror das guerras, as guerras do terror; a asfixiante onda de fanatice fundamentalista; as endemias fora de controle; as indesejáveis tensões geradas pela injusta partilha do patrimônio das riquezas sociais nascidas do labor coletivo; as tragédias da fome alvejando milhões, com ênfase para a sempre esquecida África negra; o drama de expansão contínua dos refugiados; as agressões contundentes a Natureza? Não, não bastava. Na concepção de mundo do desvario humano, a cada conquista triunfante do saber, do trabalho, da criatividade deve sempre corresponder, como fatalidade inexorável, uma manifestação hostil, um registro sonoro de cunho belicoso.
Quando inventou a dinamite, Alfred Nobel respirou “aliviado”… “Não mais ocorrerão guerras”, vaticinou ingenuamente. Deu no que deu: as guerras se tornaram mais cruéis e devastadoras. O aeroplano saído das pranchetas do genial Santos Dumont foi saudado como marco fabuloso na história do transporte. Os “senhores da guerra” cuidaram, mais do que depressa, de “aperfeiçoar” a “máquina voadora”, transformando-a também num eficiente instrumento de extermínio da vida. O caso da energia nuclear, com sua fantástica potencialidade para criar inimagináveis condições de conforto e bem estar, ilustra magistralmente essa irrefreável tendência maléfica de se desfigurar propostas construtivas voltadas para o processo da evolução civilizatória. Não fica nada difícil extrair do cotidiano outros exemplos de situações que configurem chocantes rupturas na marcha do desenvolvimento. É quando propósitos edificantes, derivados da inteligência e do engenho humanos, são impiedosamente confrontados por ações perversas fomentadas por ambições desmesuradas de mando.
Todo esse alinhavado de argumentos é para registrar que as escaramuças da apavorante “guerra cibernética” vêm se tornando, de certo modo frequentes. O chamado “ciberataque” que infectou, indoutrodia, computadores do sistema de saúde do Reino Unido, bem como de órgãos públicos e privados em quase cem países, constitui mostra perturbadora do emprego com intuitos funestos de uma conquista eletrônica fantástica. Uma conquista vastamente disseminada por tudo quanto é canto deste mundo de Deus. Mundo onde o tinhoso habituou-se também a implantar seus enclaves.
Valendo-se de brechas vulneráveis na engrenagem operacional da internet, “hackers” não identificados, com o ostensivo objetivo de chantagear, apoderaram-se de arquivos valiosos e desativaram por algum tempo redes de comunicação eletrônica em diferentes partes do planeta. O fulminante ataque ficou conhecido por “zero day attack” (ataque do dia zero). Afetou com velocidade estonteante infindáveis redes de computadores com acoplamento de impressoras, redes corporativas onde predominem aparelhos conectados. Essa danosa modalidade de intervenção, no ver dos especialistas, é de acesso muito mais amplo do que possa supor nossa vã filosofia. Vários países com pretensões hegemônicas mostram-se aptos a usar o esquema em alta escala. Tem-se como certo que já andam fazendo isso, não é de hoje, por meio de suas agências de espionagem. Uma delas, estadunidense, a NSA, por sinal indicada como fonte matricial do programa (vazado de seus supostamente invulneráveis arquivos) norteador da ação deflagrada. Surgem indícios consistentes de que a lista dos “usuários” dessas invasões despropositadas está sendo acrescida de quadrilhas no âmbito do “crime organizado” e também de grupos terroristas.
Já imaginaram só as calamidades que poderão ser engendradas contra o interesse humano por esse tipo de gente? Dá arrepio conceber os malefícios decorrentes de uma guerra cibernética global. Nem num filme de ficção científica, desses que tiram o fôlego do espectador, seria possível retratar o caos que se instalaria com a eliminação, de repente, parcial ou total, dos registros gerais individuais alojados na “nuvem” da internet. A tal “nuvem”, com a competente ajuda de satélites, funciona como monumental e prodigiosa memória da presença do homem sobre a face deste confuso planeta azul.
Valha-nos Deus, Nossa Senhora! Bradarão muitos, com sobras de razões diante de hipótese tão aterradora.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)