Quando, no Natal de 1944, nazismo e fascismo eram derrotados nos campos de batalha, o papa Pio XII, em rádio mensagem na qual discorreu sobre Democracia, mencionou a diferença entre povo e massa. Disse ele:
Nº 15 – Povo e multidão amorfa ou, como se costuma dizer, “massa”, são dois conceitos diversos. O povo vive e move-se por vida própria; a massa é de si inerte, e não pode mover-se senão por um agente externo. O povo vive da plenitude da vida dos homens que o compõem, cada um dos quais – no próprio lugar e do próprio modo – é uma pessoa consciente das próprias responsabilidades e das próprias convicções. A massa, pelo contrário, espera uma influência externa, brinquedo fácil nas mãos de quem quer que jogue com seus instintos ou impressões, pronta a seguir, vez por vez, hoje esta, amanhã aquela brincadeira.
Mais adiante, no mesmo documento, afirmará que a massa, assim definida, é a principal inimiga da democracia. Lembrei-me dessas definições, lidas há bom tempo, ao observar a reação popular à reforma da Previdência. Estamos diante de um caso típico daquela manipulação que transforma parcela expressiva da população em joguete de quem lhe infunde impressões e explora seus instintos.
A conta não fecha. A Previdência Social precisa ou de novos impostos, ou de novos empréstimos, ou de uma verdadeira multidão de novos contribuintes, ou de novas regras. Novos impostos ninguém quer pagar, novos empréstimos serão impossíveis e novos contribuintes, nas proporções necessárias, estão longe de qualquer cogitação razoável. Um milhão de aposentados no setor público, consomem tantos recursos do sistema quanto 34 milhões de aposentados do setor privado.
A massa, porém, é contra a reforma. Manipulada pela turma dos privilégios, dos proventos maiores e das aposentadorias precoces, rejeita solução que lhe pode assegurar, no tempo, a continuidade de seu sustento. Atira no próprio pé e chuta contra o próprio gol.
O ministro Roberto Barroso, do STF, foi levado àquela corte pela mão do governo petista. Havia dito que as condenações do mensalão eram como um ponto fora da curva nos julgamentos do Supremo. Tinha a missão de aliviar, e de fato aliviou, as penas dos réus políticos do mensalão, trazendo-os para “dentro da curva” almejada pelo PT. É ideologicamente um homem de esquerda, materialista e abortista. No entanto, falando em Londres sobre a reforma da Previdência, disse que ela “não surge como uma escolha política, filosófica ou ideológica, mas como “uma questão de aritmética e de justiça intergeracional”. E aduziu que se ela não ocorrer, “vamos entregar um país devastado aos nossos filhos”.
A interrogação que coloco ao leitor destas linhas é a seguinte: não deveria a massa, por todas as razões da razão, estar nas ruas clamando contra as injustiças desse sistema que tira do pobres para dar aos ricos, cobrando o fim dos escandalosos privilégios e das aposentadorias precoces e nababescas? Sim, deveria. Mas cumpre seu papel de massa e serve aos piores desígnios. Valem-se dela: 1) a malta de políticos que, sob o mais rasteiro egoísmo, só tendo olhos para a próxima eleição, deseja semear insatisfações para colher votos; e 2) as lideranças corporativas, instaladas numa zona de grande conforto e que, por isso, desejam a permanência dos atuais privilégios. A massa se afeiçoa a seus algozes…
* Percival Puggina (72), membro da Academia Rio-Grandense de Letras, é arquiteto, empresário e escritor e titular do site www.puggina.org, colunista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país. Autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a tragédia da utopia; Pombas e Gaviões; A tomada do Brasil. integrante do grupo Pensar+.
“Ali temos um retrato fidedigno do que é o Congresso Brasileiro.
Esse Conselho de Ética é um anacoluto do Senado.
Exprime de forma clara os traços éticos e políticos dos parlamentares: legislam em causa própria, operam ao arrepio da moral da sociedade e viram as costas para a opinião pública.
A ética dos políticos que temos no Congresso é essa.
Não ligam para o país e as pessoas.
No Brasil, onde tudo é tão desigual, a figura do favor ganhou uma função central na sociedade.
Quando alguém usa o clássico ‘você sabe com quem está falando?’, reivindica a rede de favores políticos, econômicos e sociais a que ele tem direito.
É o contrário do ‘quem você pensa que é?’, que os norte-americanos usam para lembrar alguém que não é melhor, ou diferente que outra pessoa.
O político brasileiro opera nesse universo do favor.
Faz favores para ele, família, amigos e até adversários, já que se protegem mutuamente contra o restante da sociedade.
Esse Conselho de Ética representa o pior tipo de ética que temos no Brasil.
A sociedade tem evoluído, mas a Política não.
Quando legislam em causa própria, os parlamentares o fazem à revelia da maioria da população.
No geral, eles não estão no Congresso para garantir a democracia, estão lá para se proteger e prosperar pessoalmente, não para representar a população.
A Política virou um meio de ascensão social e econômica.
Quando chegamos a uma situação limite, procuramos um salvador da pátria: Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Eurico Gaspar Dutra, militares, Lula…
A máquina continua funcionando igual e sendo corrupta, e mais cedo, ou mais tarde, o salvador é exposto.
O presidencialismo de coalizão é corrupção pura e simples.
A própria base do sistema político brasileiro é a corrupção.
Esse problema não é uma exclusividade brasileira, e nem acredito que o Brasil seja o campeão disso, mas aqui a cultura da punição, do combate, ainda é muito nova e incipiente.
O novo Conselho de Ética até pode emitir pareceres e decisões corretos tecnicamente, mas vai faltar legitimidade ao Conselho.
Imagine a situação de um senador honesto sendo julgado, por qualquer motivo, por colegas corruptos ou suspeitos de corrupção.
Vai ser surreal, cadê a ilibada reputação?
Todo mundo é inocente até que se prove o contrário, mas como vai aplicar uma lei em que você é suspeito de não cumprir?
É um escárnio ter um Romero Jucá no Conselho de Ética, mesmo que ele seja inocente.
A gente sempre se engana quando acha que chegou ao fundo do poço.”
Roberto Romano, professor de Ética e Política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas)