Cesar Vanucci *

“Não se espantar com mais nada talvez seja o único meio…”
(Horácio, nas “Epístolas”, em 658 a.C, jamais imaginando que seu conceito
pudesse se aplicar, mais de dois mil anos depois, à realidade política brasileira).

É fato incontroverso que o acúmulo das evidencias de mediocridade intelectual, incompetência gerencial e insensibilidade social reinantes nos redutos palacianos contribuiu para gerar a expectativa de que o governo Temer, encerrada a missão que o destino lhe reservou, não iria deixar lembrança positiva na memória das ruas. Mas o que agora está acontecendo extrapolou todas as perspectivas, mesmo as mais pessimistas, desenhadas nas pranchetas dos especialistas em estratégias políticas. Ninguém, ninguém mesmo, entre os mais experimentados analistas da praça, conhecendo a fundo as manhas e artimanhas, as tricas e futricas do solerte jogo político, teria sido capaz de vaticinar que o interinato presidencial descambasse, inesperadamente, para epílogo tão calamitoso.
Deu pra perceber de há muito que, em relação ao dirigente desse esquema governamental agonizante, a intuição popular jamais falhou. Assumindo as rédeas do poder em circunstâncias traumáticas, decorrentes do impedimento de sua companheira de chapa, Dilma Rousseff, personagem desprestigiada no conceito das ruas e despojada do respaldo político necessário para continuar, àquela altura, conduzindo administrativamente o País, Temer não conseguiu, em momento algum, conquistar a simpatia da sociedade para o trabalho, dito de reconstrução nacional, que se dispôs a levar a cabo. Seus índices de credibilidade e popularidade, medidos em sucessivas pesquisas, mantiveram-se sempre em níveis bastante insatisfatórios. Chegaram até a ficar abaixo dos que foram anotados nas consultas populares referentes à própria antecessora na época do seu defenestramento. As medidas por ele açodadamente anunciadas, com o suposto propósito de endireitar os negócios públicos, à falta de diálogos construtivos, de entendimentos saudáveis com correntes representativas do verdadeiro pensamento nacional, foram recebidas com enorme desconfiança, quando não com manifesto inconformismo. Tentando viabilizá-las, de certo modo na marra, valeu-se dos mesmíssimos manjadíssimos expedientes e posturas encharcados de pragmatismo e fisiologismo identificados pela opinião pública como altamente nocivos aos interesses coletivos. Arranjos partidários nebulosos, trocas de favores ao arrepio da ética, distribuição copiosa de cargos e concessões pródigas de verbas por conta de duvidosos apoios em votos: em sua atuação à frente do Governo nada de novo pôde ser vislumbrado no efervescente front político. Tudo continuou como dantes no quartel de abrantes. A enfática promessa de um Ministério composto de notáveis esboroou-se. O que se ofereceu, no lugar disso, foi a debochada designação de uma pá de figuras carimbadas em traquinagens já apuradas, ou em vias de sê-lo. A sensação amarga passada a uma plateia ávida por processos administrativos verdadeiramente transformadores foi a de se estar a assistir, outra vez mais, a filmes já exaustivamente reprisados.
Eis-nos, agora, portanto, diante de uma situação extremamente difícil. Situação que requer das lideranças mais lúcidas da Nação ações prontas e eficazes, nutridas de bom senso, muita serenidade, fervor republicano, respeito institucional e consciência democrática. As alternativas que despontam como saída para o caos em que fomos lançados por razões amplamente conhecidas e deploradas, são alinhadas na sequência. Renúncia, descartada de pronto por Temer. Impedimento via Congresso, algo assemelhado com o processo que resultou no afastamento de Dilma Rousseff. Cassação da chapa presidencial vitoriosa no pleito de 2014, em vias de ser julgada pelo TSE. Esse último item das opções levantadas oferece ensancha oportunosa para uma reflexão amarga a mais sobre o comportamento ético, costumeiramente condenável, das elites brasileiras. O pedido de cassação da chapa foi formulado por um partido que hoje faz parte, com participação abundante em cargos bem remunerados, da chamada base governamental. E tamos conversados…
Na eleição indireta que se prenuncia, ou na hipótese menos provável de uma alteração constitucional que desemboque nas “diretas já”, vai ser preciso levar em conta uma exigência fundamental. A ocupação dos postos de comando do poder precisa ser confiada a cidadãos realmente comprometidos com o autêntico sentimento nacional. Pessoas com espírito de grandeza, em condições intelectuais, éticas, morais irrepreensíveis. Providas de capacidade de liderança, que saibam colocar os superiores interesses do Brasil acima de quaisquer outros interesses. Que saibam promover a retomada do crescimento econômico e o estudo aprofundado de reformas sociais genuínas que elevem os padrões do bem-estar comunitário. Cidadãos que se inspirem no exemplo de JK e que deem de si o melhor no sentido de imprimir aos negócios da Nação um ritmo de trabalho compatível com a vocação de grandeza deste País de potencialidades humanas e naturais incomparáveis.

* Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)