Roberto Bueno*

A grande mídia brasileira emergiu nesta quadra histórica como substituta ideal para o velho emprego da força bruta nos modernos movimentos golpistas de Estado. Antes era a força bruta que operava sobre a carne fria dos corpos humanos vilipendiados, torcendo-os de fora para dentro, e hoje, violências múltiplas, mutila espíritos e consciências de sua própria condição humana e posição no mundo, fazendo-o de dentro para fora.
Esta é a nova modalidade de ação ácido-cruel sobre o humano, capaz de corroer rapidamente todas as suas entranhas e neutralizar as barreiras protetoras de suas armas de defesa. Prejudicadas, as massas veem seus interesses disponíveis ao grande conglomerado econômico associado com a mídia. Mil e um exemplos são conhecidos, e talvez apenas o último seja o ruidoso silêncio sobre a greve geral deste último dia 28 de abril de 2017 nos telejornais da grande vênus platinada. Se isto foi muito visível, é certo, nem sempre a mídia opera tão às claras. Frequentemente o faz sofisticadamente visando redesenhar o mundo real através da reconfiguração dos esforços que a retórica da oligarquia política financia e quer expandir matreiramente. Fantasioso e fraudulento é o sentido da estratégia e das opções adotadas pela grande mídia brasileira em seu esforço para tornar palatável uma ideologia político-econômica agudamente contrastante com o estágio civilizatório alcançado pela sociedade brasileira. Homens e mulheres brasileiros não precisariam ser tornados alvo de humilhação por parte de uma oligarquia fascio-pós-neoliberal como esta folgazã que exala enxofre por onde passa.
Para realizar o seu objetivo a grande mídia utiliza técnicas de veiculação massiva de mensagens em suas transmissões segundo os públicos-alvo de cada mensagem. Nos horários de alta audiência endereçam mensagens específicas, intensas, voltadas a desconstruir os seus inimigos pertencentes ao campo popular, não raro valendo-se de estratégias subliminares imperceptíveis ao grande público mas captáveis pelos especialistas na área de publicidade, televisão e psicologia. A subversão da ordem democrático-constitucional agora conta com recurso de supina invasividade, que controla a subjetividade dos cidadãos através de seus processos midiotizadores. São estratégias incapacitadoras das massas para a expressão de funções de preferência política senão aquelas absolutamente contrárias aos seus mais primários e vitais interesses, da saúde à educação passando pelas condições laborais mais elementares, ainda mesmo quando até o exercício de uma fraca racionalidade ou de mera função intuição conduziria à aberta e firme resistência.
A midiotização opera de dentro para fora de seu alvo e produz forte impacto hipnotizante que se espraia e surte efeitos no pantanoso e perigoso território da omissão política. Nele os midiotizados reforçam a posição de uma oligarquia capaz de explorar o seu corpo e devassar as suas almas e, se possível fosse, também extrairiam libras a mais da carne de seus corações, e também de sua prole e a de todos os que mais amados. Sob profundo estado hipnótico é que o midiotizado, passivo, a tudo assiste e a nada se opõe, mas até quando persistirá o efeito hipnótico? Deste estado hipnótico derivado da midiotização sabe-se de sua natureza transitória, mas não se tem determinado com precisão o quanto dura o seu efeito. Sabe-se que esta espécie de boa noite cinderela entorpecente preparado pela oligarquia fascio-pós-neoliberal logo cessará de surtir efeitos nesta longa e tenebrosa noite para homens em mulheres que logo passarão a recobrar o seu espaço nas ruas com a força inversa a este período de sonambulismo. Não é por outro motivo que os agentes associados ministradores do entorpecente têm muita pressa em realizar o mal absoluto, antes que a vítima desperte deste sono profundo.
A grande concretizadora deste sonho fascio-pós-neoliberal é a potente mídia, que não é apenas um poder terceirizado do alto movimento subversivo oligárquico, empedernido ator contrário a ordem democrático-constitucional na história brasileira senão que, ela própria, é ator central nesta engrenagem que aponta para o desenho e execução do sombrio roteiro no qual é solapado o interesse popular. Utiliza como uma de suas estratégias a desconstrução dos principais atores políticos do campo popular, tomados já não como adversários, mas como inimigos aos quais é preciso destruir. Aquele que é mero oponente político em tempos de normalidade passa a ser o inimigo existencial e, logo, em posição de enfrentamento último, alvo de extermínio em qualquer sentido. Neste momento já ultrapassamos as fronteiras de um sistema democrático e adentramos no autoritarismo.
A ideia de desconstruir o inimigo político é relativamente simples, mas já nem tanto a sua execução. Esta depende do emprego habilidoso de sofisticadas tecnologias compostas de jogos refinados de imagens, ângulos de captação, escolhas de lentes, opção por técnicas de abertura ou não de planos de tomadas de imagens, definição de captação de áudio aberto ou não, opção por silêncios ou pela introdução de sonoras, da seleção criteriosa de imagens desfavoráveis ao alvo, da conjugação e sequenciamento de planos, da realização de cortes em áudios e da edição de entrevistas ou, simplesmente, pela sua não realização, mesmo que estejam em questão personagens centrais do momento político ou econômico, mas cuja opinião não interesse veicular à mídia e aos seus associados.
A desconstrução dos alvos democráticos depende de sofisticada organização técnica, da concatenação de sons às imagens ou a sobreposição destas últimas, da aplicação e organização cuidadosa das pautas assim como a velocidade de sua veiculação e a atribuição de maior ou menor tempo para cada tema, conforme o interesse da empresa. A desconstrução dos alvos democráticos também depende de efetivo controle sobre a forma de apresentação das notícias, mormente quando se tratar de jornais televisados, cuidando minuciosamente da postura do(a) apresentador(a), circunstância em que é central controlar a sua expressão gestual, facial e corporal, a pronúncia, a entonação, a rítmica, as pausas, e os acentos e pontuações, o dito e ointerdito mas também o não dito. Tudo isto vem em reforço da mensagem e da ideologia protetoras dos interesses da empresa e de seus sócios financeiros. Manipulam o timming da informação para influenciar no desenvolvimento dos fatos políticos e as suas reverberações econômicas, tem pretensões de manter ou derrubar governos conforme os seus interesses sejam mais ou menos atendidos politicamente. A manipulação, sem embargo, encontra limites nos fatos da vida que, em algum momento, se impõem de forma insofismável, momento em que negá-los se torna um altíssimo custo, insuportável para os interesses econômicos da empresa. Contudo, ainda assim, quando seja imperativo veiculá-los, é possível trabalhar a informação para amenizar os danos de fazê-lo. Eis aqui um dos movimentos do processo de midiotização que permite à oligarquia e ao capital fazer triunfar o som de sua marcha fúnebre.
A grande mídia brasileira midiotiza em seu tamanho e potência, sobrevivendo da empulhação continuada, da dramaturgização ideológica da notícia e do poder todas as longas horas de todos os longos dias dos trabalhadores, pois é assim que desarticulam a esfera da vida real de sua mais óbvia e lógica postura em face do celerado ataque às suas vidas, a saber, a organização de formas de resistência, pois é da sua sobrevivência que se trata. A ideologia da grande mídia é precisamente a sua autodeclarada neutralidade, cuja realidade não é outra senão a da neutralização de sua audiência, injetando soro hipnótico ministrado através de sua programação. Ela anestesia e cumpre o papel esperado pela oligarquia e pelos proprietários destes grandes conglomerados cujos interesses econômicos estão em todas as áreas do sistema que luta à morte para manter interesses que vão da venda esperança à baús, de dinheiro fácil à juros estratosféricos típicos de tempos de guerra que a oligarquia financeira não ruboriza em executar mas, também, da venda do entretenimento estúpido à carnês que abusam da fé popular como se comercializassem a pronta-entrega de atalhos para sentar-se à direita de Deus no dia do Juízo Final.
A grande mídia brasileira erige em princípios o que não passa de velho discurso que a ciência desqualifica. A mídia apresenta uma vez e outra mais, insiste sobre a sua neutralidade no trato da informação, mas o seu método vai sendo paulatinamente descoberto, as suas práticas de fraude grossa torna-se evidente a cada momento, se aproximando o ponto em que se tornará disfuncional para a empresa continuar com a fraude. Exercem nela tristes profissionais que recebem as ordens de seus executivos e são obrigados a conviver, dia após dia, desde a prisão de suas consciências, com a realidade que bem lhes indica o grande desserviço público que estão a prestar continuamente, dia após dia.
Estas falsas empresas de comunicação são, em realidade, empresas de ideologização de massa, empresas de engenharia de percepção pública dos fatos da política e da economia e de captação de amplos apoios para as iniciativas políticas da oligarquia associada a estas empresas. Constroem e reconstroem falsos cenários em que tudo seria supostamente desideologizado, em que a sua abordagem empresarial da notícia não teria cor nem lado. Mas sob esta retórica da desideologização tudo quanto há é a mais pura ocultação da ideologização total dos conteúdos que emite. A neutralidade é mito, e é dele que a sociedade precisa se proteger, pois sob tal pretexto avançam sobre a democracia popular gravemente os mais altos e corrosivos interesses.
A grande mídia hoje já realiza a sua grande escolha ao não defender o povo contra a violação de seus direitos básicos e nem abrir espaços para que os seus representantes o façam. Eis aqui a traição-mor da grande mídia, que recebe a concessão de direitos para operar por parte de seu titular, o povo, a cujos mais pobres e necessitados opta por virar às costas, desconhecer a defesa dos reais titulares do poder político para defender os seus próprios aliados à oligarquia financeira a qual gozosamente pertence. As midiotizantes mídias são exploradoras e traidoras dos homens e mulheres ordinários cuja boa-fé os faz depositar a sua crença na mágica tela energizada. São abusadores sem escrúpulos mas, sobretudo, capitalistas incompetentes para lutar e vencer no seu idolatrado livre mercado, abutres sem par voltando-se a práticas de engodo, enriquecendo sob o signo do engano. Gente pérfida cujo vocabulário desconhece o que seja vergonha ou respeito ao próximo mesmo quando falam de seus múltiplos Altares, gente cuja ideologia triunfalista escora a sua riqueza na multiplicação intensiva de corpos esquálidos. É gente de alma putrefata para quem dois vinténs a mais vale a fome de seus semelhantes, e por isto muito será gasto com estas almas quando meio palmo de terra seja depositado sobre os seus corpos para cobrir-lhes rasamente. Desmascará-los, eis a questão, agir, eis a missão.
Tudo isto, caro(a) leitor(a), já é uma opção ideológica claríssima, minha e da mídia. É preciso estar ciente de que neste mundo não há neutralidade, senão que muito densa é a falsidade e hipocrisia daqueles que a pronunciam, tal como aquele que covardemente se oculta atrás de interpretações torcidas para afirmar a legalidade e realizar os mais covardes atos contra o titular do poder político. A grande mídia oculta a sua real escolha pelo capital a qualquer preço e custo humano, seja a favor ou contra a democracia, seja a favor ou contra a Constituição, seja a favor ou contra o povo brasileiro, pois nada disto lhe interessa de forma alguma. Todas estas são apenas variáveis menores em função da grande meta: maximizar lucros. Hoje, portanto, não é mais a religião, mas a grande mídia o mais potente hipnótico do povo. Mais claro é impossível. Refletir é urgente, reagir é um imperativo. (fim).

* Prof. Pós-Doutor. Faculdade de Direito. UnB (CT).