William H. Stutz*

Anos e anos a dar entrevistas para jornais, rádios e televisão. Quando duplico a palavra anos me refiro a três décadas de trabalho e muita prosa. Pauta muda pouco, sendo em sua maioria manejo de escorpiões, morcegos, aranhas e serpentes. Mesmo assim não me acostumo com os erros crassos nas transcrições de nossas conversas, geralmente gravadas em áudio ou vídeo.
O vídeo me obrigou a desenvolver um poder de síntese aguçado, pois passou do tempo permitido, eita segundinho caro, lá vem tesoura de editor que, muitas vezes por falta de conhecimento do assunto, te corta fala detonando todo seu sentido. Nas gravações de áudio a mesma coisa. O jornalista ou alguém senta, liga o gravador em vai e volta e tenta transcrever conversa, muitas vezes misturando “alhos com bugalhos” ou confundindo “conhaque de alcatrão com catraca de canhão”.
Um falecido jornal da década de 1980 estampou em letras garrafais título maluco junto a uma foto minha, horrível por sinal. Não que possa eu colaborar por natureza com imagem estética, mas olhe, conseguiram me piorar que nem te conto. A manchete trazia os seguintes dizeres: “Stutz garante que vivemos surto de epidemia!”
Assim mesmo, com ponto de exclamação e tudo mais.

Vamos por partes Jack: uma simples olhada em um pai dos burros iria esclarecer o incauto. Vejamos:

Surto: “Acontece quando há o aumento repentino do número de casos de uma doença ou fenômeno em uma região específica. Para ser considerado surto, o aumento de casos deve ser maior do que o esperado pelas autoridades sanitárias.”

Epidemia: “a epidemia se caracteriza quando um surto acontece em diversas regiões. Uma epidemia a nível municipal acontece quando diversos bairros apresentam uma doença, a epidemia a nível estadual acontece quando atinge diversas cidades”

Dirão alguns que existe a expressão surto epidêmico usada por especialistas. Isto é pura pirraça. Acadêmicos tem disso. Poderíamos falar de coeficientes de incidência e outros tantos termos, porém além de enfadonhos para o leitor não acrescentariam nada à história.

O relatado se deu se deu quando hoje me deparei com uma dessas pérolas:
” Grupo é flagrado com gado morto e é detido por furto(…)”
Ora, se a manchete é para prender o leitor essa me pegou de jeito. Pensei comigo: caramba, mataram um rebanho inteiro, a cidade será invadida por carne clandestina! Nada! O “gado” da matéria era uma rês solitária. Gado nos remete a conjunto, lascou outra vez.

Tenho extrema admiração por jornalistas e muitos são grandes amigos geniais na arte de informar. Sinto que estão saindo fornadas gigantescas de novos profissionais todos os anos e é só ler para crer na qualidade do que vem por aí. Meus novos amigos jornalistas, formadores de opinião, façam um imenso bem a vocês e a nós reles leitores, estudem nossa língua pátria a fundo. Leiam sem parar tudo que tiverem nas mãos, incluindo bulas de remédios aos grandes clássicos da literatura, jornais, gibis e internet, esta com cautela. Pesquisem sobre as pautas antes de saírem com a pergunta clássica para entrevistado: O que posso te perguntar?
Sua ferramenta é a escrita. Use-a com conhecimento e respeito.
Cito uma passagem de palestra do nosso querido Ariano Suassuna. Certa altura, abrindo um jornal de grande circulação em São Paulo, deu de cara com a seguinte matéria sobre a banda Calypso: “O Chimbinha é um guitarrista genial”.

Diante disso o grande escritor arrematou: “Se eu admito, e uso a palavra genial como predicado de Chimbinha, o que é que me resta dizer meu Deus de Beethoven!?”
Há ainda outras aberrações:
“Grávida que sobreviveu a acidente está viva”
“O indivíduo de 43 anos que não quis revelar sua idade estava alcoolizado”
E por aí vai. Busque no Google e chore.

Jornalistas, revisores e editores, vocês nos fazem vivos com as informações que trazem. Vocês enquanto mídia formam o quarto poder, não nos decepcionem como os outros três (poderes) estão a fazer. Por favor.

*Veterinário e Escritor