Marília Cunha*

De repente aquela vontade doida de sair, encontrar o resto de sol que ainda brilhava laranja e vermelho, tingindo o horizonte deitado ao longe. Deixar paredes aprisionantes cobertas de lembranças, sombreadas de saudades, sorrisos que já se foram e olhos sem vida que trocavam com ela mensagens mudas. Vontade doida de estar sozinha, sem eira, largar o corpo por aí, livrar-se da inquietude que batia forte. Turbilhão de pensamentos vãos a invadir a mente.
Andou por algum tempo sem rumo certo. Ipês pura flor lhe chamaram a atenção. Para diante de um que majestosamente domina a praça. O tempo o desagasalhou de folhas e as flores se apossaram, numa explosão de cor e beleza. Pisa com ar quase respeitoso o chão/tapete que a árvore aos poucos vai derramando. Inveja do ipê. Dá-se ao luxo de jogar fora aquilo que lhe enfeia e mostra-se em seu esplendor. Desnuda-se naturalmente para mostrar com mais força a beleza que veste seus galhos. Vontade de deitar ali mesmo, fechar os olhos, imaginar que saiu do planeta e flanou leve por lugares desconhecidos. Crianças saindo da escola em algazarra, pássaros libertos, afugentaram a pretensão. Um cinema, quem sabe, um cinema? Qualquer filme. Seria bastante o escurinho, o aninhamento da poltrona. Talvez dormisse, talvez a atenção fosse despertada por um enredo interessante, talvez ficasse ali, no escurinho, olhando para o nada… Quem sabe? Aguentou até o fim um filme de terceira classe. Muitas vezes fechou os olhos, fugindo momentaneamente…
Cairia bem um bar, desfecho mágico para um dia de sombras. Escolheu uma mesa, sentou-se, pediu um chopinho. Desceu gostoso pela garganta, num tempo só calor. De repente vem o garçon: – A senhora está esperando alguém? Resposta delicada: – Não estou esperando ninguém. Um chopinho mais, por favor!
O barzinho antes vazio começou a ficar lotado, Algumas pessoas começaram a secar a mesa onde ela estava, esperando talvez que se retirasse logo. Pediu mais um chopinho e mais um. O calor e a vontade de ficar longe de paredes aprisionantes convidavam a este momento. O bar cada vez mais lotado, pessoas em pé esperando a vez. O garçon aproximou-se: – A senhora está esperando alguém? Respondeu impaciente: – Não senhor, não estou! Mais um chop, por favor!
De repente uma baita irritação! Triste conclusão: em pleno sec. XXI uma mulher sozinha não pode escolher o que lhe apraz. De repente uma mulher desacompanhada não tem o direito de estar num bar, bebericando, curtindo seu estar só, sem ter olhares voltados para ela, irritados ou penalizados até. Desapercebidos de que estar só pode ser uma opção, pode ser até uma vontade irresistível de usufruir da própria companhia, diálogar consigo mesma. O garçon aproximou-se novamente e antes que ele dissesse alguma coisa disparou: – Mais um chopinho, por favor!
Ficou o tempo que quis, divertiu-se olhando o rebuliço ao redor, sentiu-se feliz por estar alí onde queria estar, fazendo o que bem entendia. Quase alto reclamou: -Pô! Deixem-me tomar meu chopinho em paz, por favor!

*Educadora – Uberlândia