“A situação clama por urgente solução.” (Domingos Justino Pinto, educador, aludindo ao desrespeito à legislação que estipula teto salarial no Serviço Público)

Ninguém, ninguém mesmo nessa nossa Pindorama continental, incluídos os membros das remanescentes tribos da Amazônia ainda a serem contatadas pelos sertanistas da Funai, desconhece seja o senador Renan Calheiros, como diriam os antigos, “flor que se cheire”… Tudo, na conduta de Sua Excelência, projeta o perfil abominável de uma espécie de homens públicos que a sociedade almeja, ardentemente, ver defenestrada da cena política. Mas, em que pesem todos os elementos desabonadores constantes do currículo do parlamentar, alvo neste preciso momento de polêmica decisão judicial que o afasta temporariamente da presidência do Senado, não há como deixar de reconhecer, em reta e lisa verdade, que os descabidos atos por ele praticados, investigados com todo rigor, não são de molde, jeito maneira, a desfazerem a legitimidade de uma causa de teor moralizante, circunstancialmente e com certo empenho abraçada pelo mencionado cidadão. As reações provocadas pelos malfeitos que lhe são atribuídos, estridentemente divulgados, mostram-se perfeitamente justificáveis, não cabe dúvida. Isso é uma coisa. Outra coisa, bem diferente, é a “indignação” suscitada – nalguns redutos, até superior em intensidade às justas reações levantadas em função dos graves delitos imputados ao parlamentar – pela bandeira que desfraldou contra abusos detectados na política salarial, em determinados setores públicos.

Sua manifesta disposição de colocar em “pratos limpos” essa escandalosa questão do despudorado desrespeito à lei do teto salarial, instituída pelos Poderes da República, não pode ser confundida, em simplória e oportunística interpretação, com uma atitude desafiadora contraposta ao saneador processo de combate à corrupção. Sem essa – a opinião pública vigilante assim recomenda – de misturar alhos com bugalhos. Repita-se, pra que tudo fique bem claro, ganhe a transparência solar exigida: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

Tanto quanto as transgressões das quais é acusado o Senador, emaranhado em mais de um processo da Lava Jato, criticado por atos pessoais altamente lesivos ao interesse nacional, os excessos apontados nas folhas de pagamento de servidores, envergando vistosas indumentárias de marajás, envolvidos em maquinações relacionadas com a extrapolação, traduzida às vezes em números atordoantes, do teto legalmente estipulado, precisam ser objeto de severa avaliação e corrigenda. A questão carece ser encarada com máxima seriedade. Inserida na mesma linha dos ditames éticos e propósitos moralizantes perseguidos no tenaz combate movido pela Justiça à corrupção. As boas cabeças pensantes dos Poderes constituídos, as lideranças providas de lucidez da vida nacional não podem mais se furtar ao dever de uma amadurecida reflexão a respeito dessa história. Cabe-lhes a missão de saber extrair dos estudos e diálogos procedidos uma solução urgente para esse caso dos salários embolsados indevidamente por tanta gente e há tanto tempo.

O assunto não pode continuar sendo “empurrado com a barriga”, como se diz no idioma das ruas. As situações inconvenientes já comprovadas não podem ser blindadas por sofismas fajutos. Constitui razão de constrangimento para a comunidade perceber que os problemas das remunerações desproporcionais e ilegais sejam continuamente jogados pra debaixo do tapete. A preocupação no sentido de se definir, vez por todas, a palpitante questão, é parte indissociável do salutar processo de se escoimar da vida nacional cabulosas situações e deploráveis vícios que tanta influência exercem no desequilíbrio das contas públicas e na disseminação da injustiça social.

A corrupção tem várias faces. Colocar no bolso salários indevidos, pagos pelo contribuinte, é indisfarçavelmente, sem choro nem vela, uma delas.

 

Cesar Vanucci

Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)