Uma tarefa grandiosa para os que têm coragem e amam a verdade é dar um mergulho profundo dentro de si mesmos para compreender e reordenar a própria trajetória, ainda que isso signifique abrir mão do conforto de ser como todo mundo e, nesse caso, o divã parece ser o lugar mais propício para que tal aconteça, pois a psicanálise permite ao homem refletir sobre sua experiência histórica.

Para o psicanalista argentino Carlos Pérez, o lugar de uma verdade está assinalado pela coerência interna do escrito (ou do dito), uma vez que a aproximação à verdade se dá por um movimento elíptico, o que significa que, no ponto de maior proximidade, inicia-se já o afastamento dela (verdade).

O pintor Van Gogh criticava a forma perfeita e pretendia encontrar a verdade no desvelamento da bela aparência: A mim desesperaria que minhas figuras fossem boas. Não as quero academicamente corretas… Meu grande anelo é fazer tais inexatidões, tais anomalias…, tais mudanças na realidade, para que saiam mentiras, se quiserem, mas mais verdadeiras que a verdade literal.

     Freud, quando de seu estágio no hospital da Salpêtrière, em Paris, ouviu de seu mestre Charcot: A máxima satisfação que um homem pode experimentar é a de ver algo novo. Isto é, reconhecer algo como novo (…). Deveríamos olhar e olhar outra vez até, finalmente, conseguirmos ver a verdade.

Nessa busca entranhada da verdade, seria possível conjugar ciência e poesia?

Segundo Lacan, que faz uma releitura da psicanálise freudiana, a verdade sempre teve a mesma estrutura de uma ficção em que aquilo que aparece sob a forma de sonho ou de devaneio é a verdade oculta do sujeito, que a realidade social reprime. A respeito da ciência de sua época, Freud gostava de citar um aforisma de Hamlet: Entre o céu e a terra há coisas com que a sabedoria acadêmica nem sonha. E o poeta Garcia Lorca acrescenta: A arte tem que avançar como avança a ciência dia a dia na região incrível que é crível e no absurdo que logo se transforma numa pura aresta da verdade.

     O certo é que um grão de verdade pode ficar retido nas malhas da escrita (ou da fala) e propiciar um conhecimento qualquer. É assim que o poeta, enquanto criador, e o analista, no lugar do “suposto saber”, logram tornar consciente o inconsciente.

E quando a ciência se torna opaca frente ao enigma? Nesse caso, afirma Pérez, a missão da ciência seria sitiar rigorosamente o incognoscível para dar passagem ao poeta, ratificando a fala do filósofo Nietzsche: o problema da ciência não pode ser resolvido no terreno da ciência. Ele cabe à arte, à arte trágica, dionisíaca, aquela que incita a metaforizar o irrepresentável, o enigma, o que resiste à cena. Isso implica afastar-se do dogmatismo, essa doença grave que costuma acometer cientistas e instituições. Lembremo-nos da lição essencial que nos dá a ficção: a verdade é algo que escapa entre as palavras. Daí a necessidade de focalizarmos margens, brechas, o que está ausente, não nomeado, o excluído, o subentendido. Sábio maior que o poeta não existe, pois ele é fiel à metáfora no seu sentido mais profundo o de transporte, passagem.

 

Shyrley Pimenta

Psicóloga clínica

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