Ana Maria Coelho Carvalho*

Estava eu em paz e concentrada, preenchendo um formulário eletrônico para renovação de passaporte. Cliquei na setinha para abrir o quadro de “profissão” e um mundo novo se descortinou para mim.
Apareceram centenas de profissões, organizadas de A até Z. Algumas bem comuns e tradicionais, como professor, médico, engenheiro. Comecei a ler cada uma, para saber em qual delas me encaixava. Li, com estes olhos que a terra há de comer, profissões como bobinado, biscateiro, broqueiro, baptista (na letra b); caçador (meu Deus, de que?), calafate, calculista, caldeireiro, campeiro, cartorário (isso só na letra c, imaginem no alfabeto todo). Encontrei a nobre e comum profissão “do lar”, e outras nunca antes imaginadas, como “garota de programa” e “prostituta” (será que alguém coloca essas e envia para a Polícia Federal?).
Passei a divagar e a imaginar o que seriam profissões como pracista (será alguém que senta na praça e fica vigiando? Se for, quero ser isso); vulcanizado (relativo a vulcão, ou próximo a galvanizado?); tanoeiro (será que tem algo a ver com canoeiro?); plainador (aquele que passa plaina móveis ou sai por aí, voando em um planador?); pizzaiolo (quem faz pizza? Essa é bonitinha e gostosa); passador (será passador de roupa? Só conheço passadeira…Ou será alguém que prepara as pessoas para passarem desta vida para outra?); peleteiro (quem mexe com pele em curtume, ou quem prepara pele de porco para fazer pururuca bem crocante?); guincheiro (quem dirige caminhão de guincho?). Havia também algumas pomposas, como “produtor na exploração agropecuária” (será fazendeiro? agricultor? ou explorador sem coração, que acaba com o meio ambiente?).
Listaram até uma profissão especial para um único brasileiro, pois somente um irá marcar isso no formulário: presidente da república. Mas as campeãs das profissões foram: guilhotinado, jubilado e desempregado. Pra mim, com meus parcos conhecimentos, guilhotinado é quem teve a cabeça cortada, coisas lá do tempo da Revolução Francesa (quem, em sã consciência, vai marcar que é guilhotinado e enviar para a Polícia Federal?). Jubilado, pra mim, é aquele aluno que não conseguiu terminar o curso no tempo normal e foi convidado a se retirar da faculdade. E desempregado, eu nunca, jamais, poderia imaginar que seria uma profissão.
Mas, divagando ou não, eu tinha que escolher uma profissão para mim, tinha que ser alguém. A essa altura, já tinha entrado em crise existencial e não sabia mais o que eu era. Nem sabia se profissão é a formação profissional ou se é aquilo que a gente faz. Fiquei entre biólogo e professor de ensino superior. Mas, como sou aposentada, e não existe essa profissão na letra a (se existe desempregado, deveria existir aposentado), pensei em “ocupação não classificada” e “sem ocupação”. No entanto, como faço mil coisas, como todas as mulheres, achei desaforo colocar “sem ocupação”. Se tivesse “desorientado” na letra d, com certeza ficaria com essa. Como não tinha, optei por “biólogo”, pois o sou de coração e de formação. Mas agora, acho que vou ser “prisioneira”, por estar escrevendo assim de um formulário da Polícia Federal e nem vou conseguir renovar meu passaporte. Por falar nisso, quem será que elaborou essa lista das profissões? Se eu for “prisioneira”, ele terá que ser “acompanhante”.

*Bióloga – anacoelhocarvalho@terra.com.br