Marília Alves Cunha*

Foi presente de aniversário, um aniversário especial: 15 anos. Não porque tivesse sido fartamente comemorado, enfeitado com luzes coloridas, flores, valsa, vestido de gala e aplausos. A festa dos sonhos não passou de sonho. Mas os 15 anos eram especiais…
O presente era um diário. Capa verde aveludada, ladeada por um fio dourado, delicado cadeado com minúscula chave a fechar as folhas branquinhas, prontas a receber confissões. Meio criança, meio mulher, confusa na descoberta de novas sensações e estranhos desejos, a menina escreveu na primeira página seu nome, rodeado de dezenas de corações, flores, borboletas e em letras góticas, a nanquim, um pomposo “Meu Diário”.
O diário passou a ser o grande parceiro, silencioso confidente. Com caprichosa letra ia colocando o cotidiano: a dor e o medo que sentiu no dentista, o sorriso orgulhoso do pai com sua premiação na escola, a bronca da professora que a flagrou comendo castanhas durante a aula, as pernas que se tornaram bambas quando o menino mais bonito da festa a convidou para dançar, a morte do animalzinho de estimação, a perda, o vazio, a falta e a triste impressão de que só ela estava sofrendo e que todos os adultos eram tristemente insensíveis. A timidez do primeiro desfile de modas, quando ela achou seu vestido o mais feio de todos. A vergonha que passou quando a professora mandou tirar o tênis, na aula de Ed. Física e apareceu sua meia, furada no dedão. Escreveu um a um os nomes dos meninos que ela achava mais bonitos, em ordem decrescente. Muitas poesias e frases enfeitaram aquelas folhas, colhidas ao acaso, sem nexo, sem ordem, apenas coisas que a ela pareciam bonitas e sábias.
A um certo tempo o diário começou a se transformar. A menina cheia de sonhos descobriu o amor e seu peito não continha mais o desejo de expressar aquele sentimento forte que a tomava por inteiro. As páginas do diário cobriram-se de novas sensações: o primeiro encontro no cinema, tudo escurinho, o rapazinho magrela, de olhos verdes e doces, mãos fortes segurando as suas mãos e transmitindo um calor diferente, gostoso. O desejo que aquela mão nunca se desgarrasse e aquele calor não se perdesse. Beijos molhados, sôfregos, escondidos. Ai! Jamais pensou que beijar fosse bom assim… Era como se sua alma se fundisse em outra. Olhos fechados, cabeça rodando, corpo nas nuvens… A primeira dança com o eleito custou várias páginas. A música permaneceu na lembrança: “Stranger in paradise”. Eram rubricas de amor, de ciúmes, de brigas, de idas e voltas. Às vezes ela se sentia como a própria Dama das Camélias de Alexandre Dumas, tanto sofrimento e paixão fustigavam seus dias.
Certa feita a menina descuidada esqueceu-se de esconder o tesouro. A mãe curiosa abriu as preciosas páginas, não gostou do que leu, ameaçou castigos. A menina apertou contra o peito seus segredos violados, conversou com eles nas silenciosas horas da madrugada. Sentiu-se desnudada, invadida, infeliz, a vida um deserto árido, sem graça e sem alma. Tomou a decisão cruel: entre labaredas o livro verde, amigo, confidente, reduziu-se a cinzas. As notas de “Stranger in Paradise” ecoavam ao fundo, enquanto generosas lágrimas molhavam o rosto, pintado de infelicidade. Mergulharam no seu coração, roubaram seus segredos e nada mais poderia ser como antes…

*Educadora – mariliacunha16@hotmail.com