Shyrley Pimenta*

Os filósofos buscam, desde Platão, caracterizar o que seria bom para a vida do ser humano, considerando, de certa forma, que todos somos iguais, já que todos temos uma “razão” e uma “natureza” humanas. Partem do pressuposto de que buscamos todos um mesmo objetivo – o bem – e tentam orientar-nos no sentido da busca objetiva desse bem, exortando-nos a fugir das armadilhas perigosas que nos são colocadas pela aparência das coisas, pela leitura singular de mundo, que a nossa subjetividade nos impele a fazer. Enfim, a filosofia busca um denominador comum, um bem tamanho único: o que é bom para um, seria bom para todos.

A Psicanálise, por seu turno, busca o diferente, aquilo que é, para cada ser humano, o bem, a vida plena. Para Freud, cada ser humano é único, possui seu próprio e particular universo de fantasias, é conduzido por mecanismos também diferentes (geralmente inconscientes) e que o direcionam no sentido da busca de uma vida feliz, ajustada ao tamanho de seu próprio e singular desejo.

É certo que Freud desejava, enquanto cientista, alcançar uma verdade objetiva e seu trabalho analítico visava recolocar os pacientes frente à realidade. Mas de que realidade se tratava? Certamente, não se tratava do “real” de Platão. A realidade freudiana era apenas uma espécie de “consolo”, algo em que se precisava crer para ser menos infeliz, para não enlouquecer.
O filósofo Jonathan Lear debruça-se sobre a tensão existente entre Platão e Freud em seu livro “Felicidade, Morte e o Restante da Vida”, a partir da análise do Mito da Caverna, a seu ver, uma metáfora central da filosofia ocidental. Segundo a narrativa de Platão, afirma Lear, só pelo uso da razão poderemos libertar-nos do mundo das aparências – essa caverna escura – e nos defrontarmos com os objetos do mundo real, não mais ofuscados pelas sombras da fantasia, mas plenamente iluminados pela luz emanada do Bem.

Em “Além do Princípio do Prazer” (1920), Freud afirma que a metáfora da caverna restringe e falseia a visão da totalidade das possibilidades humanas. O homem tem sede de diferenciação, e o contexto filosófico, ou religioso, só faz colocar limites à gama imensa de tais possibilidades. A ótica filosófica, ou religiosa, seria apenas uma interpretação a mais, entre inúmeras outras. O livro de Lear coloca sob o mesmo rótulo – o do fracasso – Filosofia e Psicanálise. Para ele, a Filosofia fracassa quando pretende abarcar todas as possibilidades humanas, a partir da análise descritiva da natureza humana; de forma semelhante, a Psicanálise fracassa, pois seu conceito de fantasia não consegue manter no inconsciente aquilo que o sujeito prefere não saber.

Assim, não haveria uma visão plena do todo, como o queria Platão, nem tampouco a normalidade psíquica absoluta. O homem contemporâneo, capturado pela rede do capitalismo, que força o advento das patologias do espírito, o estresse, o pânico, as depressões, seria uma espécie de “águia debatendo-se nas grades de uma gaiola”. E as forças de resistência adviriam através da arte: dança, música, literatura… só tais forças seriam capazes de perpassar o sujeito, individualizando-o e potencializando o seu amor à vida, que deve ser sempre amada e reafirmada por inteiro. Parodiando o filósofo Nietzsche: sem a arte – a dança, a música, a literatura… a vida seria um erro, um abuso, um exílio.

Psicóloga clínica – Uberlândia – MG