Cesar Vanucci*

Num papo descontraído de velhos conhecidos alguém andou contando os dissabores enfrentados por conta de uma “palavra maldita”. Ocupo-me adiante do assunto, garantindo de antemão que seu componente hilário é forte.
Antes, porém, considero de oportunidade lembrar que essa coisa de “palavra maldita” reaviva cenas da meninice em que me vi às voltas, surpreso, com relatos circunstanciados de episódios classificados de malditos no bestunto de pessoas adultas. Relembro, primeiro, uma certa “música maldita”. A história foi ouvida da boca de um cidadão respeitável, bem posto na vida, num papo com grupo de fedelhos do qual o neto, aqui, de dona Carlota fazia parte. O tom de voz resvalando o lúgubre, selecionando palavras como se a temer algo fortuito, de consequências terríveis, ele deixou claro, para plateia assustada, que a tal melodia espalhava malefícios, sempre que executada. Recomendando se evitasse sequer assobiá-la, passou para seus transtornados ouvintes o nome da música: “Ramona”. A “melodia maldita” – afirmou, persignando-se – havia sido a derradeira do repertório executado pela orquestra do transatlântico “Titanic” antes do adernamento na viagem inaugural. Já indaguei aos botões de meu pijama, algumas vezes, se não teria sido por conta de crença tão insólita que a ramona caiu em desuso como sinônimo de grampo.
Recorda-me, depois, um “xingamento maldito”, contemporâneo dessa “música maldita”. A expressão “excomungado”, concentrando carga blasfema infinitamente superior à da injúria (por muitos sintetizada nas letras fdp) assacada contra a honra materna, era capaz de atrair – diziam, então, compenetrados e sábios cidadãos – raios fulminantes desfechados pela suprema cólera divina. Pelo sim, pelo não, ninguém ousava, naqueles tempos cordatos, despejar pra cima de ninguém o atemorizante insulto.
Mas eis que chegada a hora de falar dos contratempos vividos pelo nosso conhecido em razão de “palavra maldita” desavisadamente proferida. Professor de Moral e Cívica em colégio do interior, ele foi escalado para uma dissertação, em reunião do grêmio literário, sobre a questão sexual na vida dos jovens. “Pisando em ovos”, como sublinhou, evitando ferir suscetibilidades, procurou transmitir aos adolescentes uma orientação consentânea com os padrões culturais vigentes na localidade. Às tantas, tornou explícita sua condição de heterossexual. Do fundo da sala, brotou uma inquirição: – Assumido, professor? A resposta chegou sem hesitação:
– Claro, heterossexual assumido!
Veja como são as coisas. Poucos dias depois, raivosos representantes da Associação de Pais pediram dois dedos de prosa com o diretor do colégio, a fim de expressar seu inconformismo com a atitude descabida do professor que “anunciou”, em sala de aula, para imberbes criaturas, sua “inclinação obscena, escabrosa, por atos atentatórios à moral e bons costumes”. Inteirado dos fatos corretos, o diretor fez ver aos interlocutores de que estava havendo um tremendo equívoco de interpretação. Comprometeu-se a explicar tudo, tintim por tintim, aos alunos. Explicou. De forma bem didática, mostrou pra garotada a diferença entre heterossexualidade e homossexualidade. Adiantou nada. Na boataria que se seguiu, a intervenção do diretor ganhou contornos de tentativa frustrada de consertar a “bobagem” praticada pelo “professor assumido”.
Na roda de conhecidos, o professor arrematou: “Não houve jeito de ser desfeito o mal-entendido. Além do disse me disse maledicente, todo mundo passou a me olhar de esgueira, como se eu fosse mesmo culpado de algum delito. Tudo por causa de haver declarado ser heterossexual convicto. Palavra maldita! Tenho receio, até hoje, de enunciá-la.”

*Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)