*Cesar Vanucci

“A música é barulho que pensa” (Victor Hugo)

Contando, em confiança, com a aquiescência do distinto e culto leitorado, ocupo hoje este impoluto espaço, habitualmente utilizado para elucubrações sobre lances sociais, econômicos e políticos da tumultuada aventura da vida, com registro de deleite exclusivamente musical. Trata-se de pausa convidativa que possa distanciar-nos, por breves instantes, das agruras trazidas pelo noticiário nosso de cada dia.
Sempre solícita e imperturbável diante do alvoroço do ambiente caseiro, a infatigável Alexa botou, a pedido, a vitrola da Amazon pra tocar músicas do alentado repertorio de Sarah Vaughan. “Santo Deus, mas o que é isso!?” A exclamação, de incontido entusiasmo, saltou espontaneamente da garganta aos primeiros sons emitidos pela genial interprete. Seja ressaltado que, anos atrás, experimentei sensação assemelhada ao ouvir, pela vez primeira, uma gravação de Yma Sumac, prodigiosa cantora peruana por muitos apontada como suprema medalhista de ouro no pódio da música lírica.
Voltando a Sarah. Toda manhã de um domingo foi tomada por terna e extasiante ligação – dir-se-á mágico – do ouvinte com a sequência melodiosa saída da engenhoca eletrônica que reproduzia a voz da maravilhosa cantora. Falemos dela. Nascida em 1924, “partindo primeiro” em 1990, Sarah Vaughan foi um dos fenômenos vocais mais extraordinários da historia da arte. Sua voz caracterizava-se pela tonalidade grave, por enorme versatilidade e seu controle das ondulações entre o grave e o agudo. Conquistou os principais troféus e honrarias reservados à elite da vida musical. Segundo os especialistas, possuía ouvido excepcional para a estrutura harmônica das canções, o que lhe permitia mudar ou modular a melodia como se fosse um instrumento executado com mestria.
Falemos agora do repertorio da fabulosa interprete. Na “audição dominical” a que faço referencia acima, desfrutei do privilegio de ouvir Sarah interpretando alguns dos mais belos melódicos americanos, vários deles transpostos para trilhas sonoras de filmes inesquecíveis produzidos por Hollywood em seus anos dourados. Mas a parte mais arrebatante do “recital eletrônico” consistiu nas faixas referentes à nossa MPB.
Sarah foi, certamente, a cantora estrangeira mais apaixonada por música brasileira. O seu fascínio pelas composições nascidas da arte e engenho de autores nacionais, levou-a a gravar três álbuns inteiramente dedicados aos nossos ritmos. Fazem parte dessa magistral coletânea autores que frequentam a predileção das plateias, como Tom Jobim, Cayme, Vinicius, Chico Buarque, Milton Nascimento, Marcos Valle, Ivan Lins, entre outros. O resultado dessa fusão de talentos, que incorporou ainda a participação, no apoio vocal de interpretes brasileiros consagrados, foi um trabalho artístico impecavelmente elaborado, que consegue mostrar em inglês a sutiliza e encanto da música popular brasileira.
Bem, no mais, é como diz a canção de Carlos Lyra: “No entanto, é preciso cantar e alegrar…”.

Jornalista (cantonius1@yahoo.com.br)
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