Antônio Pereira – Jornalista e escritor – Uberlândia – MG

No dia em que se inaugurou a estação da Companhia Mogiana de Estradas de Ferro e Navegação, em Uberaba, o historiador Borges Sampaio informou em seu discurso o tempo que se gastava em viagens ferroviárias naqueles idos de 1889: três dias de Uberaba até a Capital do Império e três dias até a Capital da Província. Foi um festão, lá.
Faço um parêntesis para informar que a Mogiana, nos fins do século XIX, também explorava a navegação fluvial usando rios paulistas mais o rio Grande por onde trazia para o Triângulo grandes quantidades de sal. Os tempos andam, muitas vezes, para traz: cadê os trens de ferro, cadê os barcos do Rio Grande?
Pois aqui também se prepararam coisas boas para a inauguração que seria em 1895. O terreno, onde hoje se encontra a praça Sérgio Pacheco, foi oferecido, à Mogiana, pela Câmara, sem ônus. A ornamentação da cidade seria feita com palmeiras, arcos, bandeirolas, galhardetes, lanternas venezianas etc nos largos da Matriz, do Comércio e do Rosário, na rua Barão de Camargos e na avenida Sete de Setembro. Em cada largo, se faria coreto enfeitado. As ruas e largos por onde passaria o préstito comemorativo seriam iluminados “a giorno”. Não havia ainda energia elétrica na cidade. A Casa da Câmara seria ornamentada e no pátio de entrada se colocaria a mesa para o jantar.
Para ajudar nas despesas se faria uma quermesse.
A procissão cívica seria assim: abrindo o préstito, uma das bandas de música locais. Seguir-lhe-ia uma menina empunhando uma bandeira simbolizando o município de Uberabinha. Em seguida, outras meninas portando bandeiras significando os ofícios e artes da cidade. Logo após, outra corporação musical, os oficiais da Guarda Nacional, as autoridades judiciárias, federais e funcionários do Forum, o professorado público, os representantes do comércio, artes, lavoura etc e o povo cerrando fileira. Finalmente, outra banda de música. Três bandas! Durante o percurso do préstito, foguetório ininterrupto. À chegada do trem inaugural seria queimada uma bateria de bombas na estação. Outra bateria se queimaria à entrada da Casa da Câmara, quando o préstito chegasse. Na estação falariam o Agente Executivo (que corresponde ao Prefeito Municipal), um orador oficial mais a menina portadora da bandeira simbolizando o município.
O presidente da Comissão que organizou tais festejos foi o médico Carlos Gabaglia, o primeiro que a cidade teve e que permaneceu apenas um ano por aqui.
Nos dias antecedentes à inauguração, entretanto, o município viveu intensas complicações políticas envolvendo a magistratura e personalidades destacadas como o farmacêutico José Teixeira de Sant’Anna e Augusto César. Os Pereira, formaram um batalhão de cem homens armados e exigiram a saída da cidade do Juiz de Direito, dr. Duarte Pimentel de Ulhoa, montado numa égua. Prestigiado pelo governo da Província, o Juiz saiu, dizem alguns que foi até Juiz de Fora e voltou protegido pela Polícia. Segundo outros, ele foi só até Uberaba de onde voltou acompanhado por uma guarda de 92 soldados da Força Pública e reassumiu suas funções. Os soldados aquartelaram-se nos cômodos da estação a ser inaugurada e onde estavam depositadas as mercadorias a serem utilizadas na festa – e acabaram com tudo, principalmente com as coisas de comer.
No dia da festa, a cidade em pé de guerra, soldados por toda a banda, o povo amedrontado recolheu-se às casas. Ninguém na rua. Na estação só as autoridades e a diretoria da Mogiana. O próprio Agente Executivo não apareceu. O Vereador Augusto César desentendeu-se com o engenheiro José Rebouças (irmão do famoso André Rebouças, negro abolicionista que construiu muitas estradas e seguiu com d. Pedro II, em exílio voluntário, dizendo-se “seu negro escravo” até o fim). Para impedir que a linha da estrada de ferro passasse por dentro de sua chácara, que ficava nas imediações dos fins da avenida rio Branco, Augusto César armara jagunços e os postara na linha demarcatória de suas terras, autorizados a não deixar ninguém entrar. Dessa forma, a festança que se programou ficou por acontecer, mas, enfim, inaugurou-se a estação da Mogiana que foi por muitas décadas um esteio do desenvolvimento econômico da cidade.

(Fontes: Borges Sampaio, Jerônimo Arantes, Waltercides Silva, João Rodrigues da Silva Jr.)