José C. Martelli*

Há alguns anos escrevera uma crônica publicada em jornais de Espírito Santo do Pinhal (SP) e Uberlândia (MG), bem como em página própria deste BLOG, sob o título abaixo, republicando aqui os seus dois primeiros parágrafos, com os quais pretendo fazer um introito à crônica de hoje.

“O DIA EM QUE PERCEBI QUE ESTAVA VELHO

“Lá pelos idos de 1995, em pleno vigor dos meus 62 anos, estava eu no Metrô de São Paulo, em pé, apoiado em meus “vigorosos” braços, numa viagem entre o Terminal Rodoviário do Tietê e o SEBRAE – SP, quando percebi de soslaio, uma moça fitando-me, insistentemente. Lisonjeado pensei:- ainda tenho “lenha para queimar”. Então arrisquei um olhar mais direto. Tão logo nossos olhos se cruzaram ela não perdeu tempo. Levantou-se e… ofereceu-me o seu lugar. Devia estar pesando no seu pai ou quem sabe no seu avô.

De outra feita, numa viagem de ônibus entre Uberlândia e São Paulo sentei-me ao lado de uma viçosa “jovem” dos seus 40 anos, muito falante e que, no decorrer de nossa conversa, perguntou-me: – Você é casado? Ao mesmo tempo em que pensava estar interessando à dita cuja, respondi: – Sou viúvo. E ela arrematou: – Você é tão simpático.. Gostaria muito de apresentá-lo à minha mãe.”

Pois bem. A crônica acima fez muito sucesso, na ocasião, tendo sido, inclusive, levada a Congressos Médicos por meus cardiologista e endocrinologista uberlandenses, porque, no seu bojo, trazia a constatação explicita de que os médicos estão sempre nos lembrando de nossa velhice emergente quando, a título de nos animar dizem literalmente: – você está com uma pressão de jovem, com uma testosterona de jovem, com níveis de HDL de jovem, com triglicerídeos de jovem e vai por aí afora, sempre lembrando-nos de que não somos mais jovens. Ou não é verdade?

Da mesma forma, quando alguém me chama e diz, sempre com o intuito de agradar: – puxa, você está com aparência de jovem. Não lhe dou 40 anos. O que ele quer dizer? Que os seus 40 anos já foram há muito tempo. Agora você está velho. Pois não é?

De toda forma, o que me traz aqui é escrever uma crônica dizendo que não mais percebo que estou velho.

Ao contrário, embora aqui escrevendo este texto, percebo que já morri. E vou dizer e provar porque.

Vou começar pela vida financeira. Se você já passou dos oitenta tente obter um financiamento ou empréstimo bancário e vai entender do que estou falando. Tenho até pena dos atendentes, pela tremenda saia justa a que são submetidos ao terem que explicar aos idosos a razão pela qual não se lhes pode conceder um empréstimo.

E pensar que aos 40 anos, recebi do Bradesco, em minha casa, sem pedir, 20 talões de cheques com meu nome e CPF impressos, inclusive com direito a um Dr. antecedendo o nome. Isso mesmo. Não foram 20 folhas de cheques. Foram realmente 20 talões.

E o crédito consignado então. Criado no governo Lula para que os aposentados tivessem um crédito rápido, sem burocracia e de juros baixos, o seu público alvo eram os aposentados, vale dizer “velhos”. Pois bem, passe dos 80 anos e vá tentar fazer um consignado. É um paradoxo sem tamanho. Um crédito destinado aos “velhos” e os “velhos” não podem obtê-lo. Por que? Porque são “velhos”. È de se rir, ou melhor, em muitos casos, de fazer chorar.

Fazer o que? É convencer-se de que já morreu e fim. É triste, mas é isso.

Continuando nossa via crucis, vamos ao trabalho, aos projetos, às realizações. Talvez, nesta parte a atual pandemia tenha intensificado seus efeitos. Mas a verdade é que ninguém dá atenção aos seus projetos e às suas ideias. Ouvem, quando ouvem, quase como uma obrigação. Mas fica por isso mesmo. Devem pensar:” isso é coisa de velho”. E o pior é quando, três/quatro anos depois começam a fazer o que você preconizara.

Fazer o que? É convencer-se de que já morreu e fim. É triste, mas é isso.

E na vida social e familiar. Pessoas com as quais você tinha relações constantes, de toda ordem, vão se afastando pouco a pouco, por entenderem que o seu tempo está se acabando e, provavelmente, não tenham mais o retorno costumeiro. Transformam-no em “mortos pela ausência” como escrevi em crônicas passadas. Nas reuniões em que você ainda é aceito participar, seja no âmbito familiar ou social, você se torna um zero à esquerda, ou melhor dizendo, um zero no centro. Se você se aventura a entrar na prosa é solenemente ignorado. A prosa ou os assuntos vão de um a outro como se você fosse um rio e os demais a ponte que o ultrapassa. Fica falando sozinho, enquanto os outros falam entre si.
Acrescente-se a isto, e no caso, também intensificado pela pandemia, os cuidados que, diariamente, os filhos têm com você. Você fica “proibido” de tudo. Tudo mesmo. Sabemos que isso ocorre a partir de boas intenções, para nos isolar e evitar mal maior, já que pertencemos ao dito grupo de alto risco, isto é, como se diz na gíria, estamos “no bico do corvo”.

Fazer o que? É convencer-se de que já morreu e fim. É triste, mas é isso.

*Advogado e professor – Espírito Santo do Pinhal – SP