Ana Maria Coelho Carvalho*

Sempre intrigou-me o fato de Jesus ter realizado o seu primeiro milagre em uma festa, transformando água em vinho. E foi muito vinho, o que poderia embebedar muita gente…
Até quando assisti a um belo sermão do padre Olimar, na catedral de Santa Terezinha. Ele explicou que a festa, com sua fartura e aparente inutilidade, é uma necessidade da vida humana e uma afirmação de dias melhores. A vida foi feita para ser festa, não para ser sofrimento ou mesquinharia. E Deus é um Pai alegre, que gosta de alegrar o coração dos homens. O milagre foi realizado em uma festa de casamento, na união entre duas vidas e Deus, para começar uma família. Deveria então haver alegria, mas o vinho acabou. Fez um paralelo com as bodas atuais, onde frequentemente o vinho também falta e a alegria desaparece da união. O vinho do desejo, da afeição, do respeito e da compreensão passa a faltar nas taças do casal. Mas se existir Jesus na relação, a água do cotidiano pode ser novamente transformada em vinho. O milagre do recomeço se inicia com a oferta do que se tem e o vinho do final talvez seja melhor que o vinho do começo. Rezou então pelos casais felizes que passeiam de mãos dadas e por aqueles que separam as mãos e as vidas. Pelos casais que se beijam e se abraçam em amores e por aqueles que se agridem em ciúmes. E abençoou as famílias.
Depois disso, pensei em um interessante livro que lí , ” O arroz de Palma”, de Francisco de Azevedo. Conta a história de uma humilde família portuguesa que chegou ao Brasil cheia de sonhos. O narrador é Antônio, filho do casal imigrante e Palma é sua tia. Muito pobre, ela juntou o arroz espalhado no chão da igreja para saudar os noivos quando eles se casaram, abençoou-o e presenteou o casal. O arroz foi colocado em um pote e era dado aos membros da família em momentos de conflitos e alegrias, servindo de fio condutor da história-daí o nome do livro. Antônio, por sua vez, se transformou em cozinheiro e dono de restaurante. Faz a narrativa comparando a família a um prato difícil de preparar. Explica que não precisa ter vergonha de chorar quando se coloca alho e cebola, pois família é prato que emociona. E que faz a gente chorar de alegria, de raiva ou de tristeza. Ensina que temperos exóticos alteram o sabor do parentesco, mas que se misturados com delicadeza, tornam a família mais colorida e interessante. Alerta que é preciso cuidado com as medidas, uma pitada a mais pode ser um desastre, pois família é prato sensível. E também saber meter a colher na hora certa, é verdadeira arte, pois pode desandar a receita toda. Lembra que é bobagem pensar que existe receita de família perfeita: não há “Família à belle meunière” nem “Família ao molho pardo”, nas quais o sangue é ingrediente fundamental. Família é afinidade e tem que ser “À moda da casa”. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces e outras amargas. Algumas apimentadíssimas e outras sem gosto, tipo “diet’, que a gente suporta só pra não perder a linha. É prato a ser servido quente, quentíssimo, pois família fria é impossível de se engolir. Mas é preciso saber a hora certa de apagar o fogo, pois há famílias inteiras queimadas por causa de fogo alto. O narrador conclui que receita de família não se copia, se inventa. E deve ser saboreada ao máximo, passando o pão naquele molhinho que fica na louça, pois família é prato que quando se acaba, nunca mais se repete.
A não ser que- como disse o padre Olimar- se houver Jesus na família, é possível um recomeço com os ingredientes que se tem. E quem sabe, inventar uma receita “À moda da casa” mais saborosa que a inicial.

*Bióloga – Uberlândia – MG