Ana Maria Coelho Carvalho*

Em 1855 o cacique Seattle, de uma tribo no estado de Washington, enviou uma carta ao presidente dos Estados Unidos, quando o governo pretendia comprar o território ocupado por sua tribo. Um século e meio depois, o que ele escreveu continua bem atual. E muito mais preocupante. Há trechos assim: “-Sabemos que o homem branco não compreende o nosso modo de viver. Para ele um torrão de terra é igual ao outro. Porque ele é um estranho, que vem de noite e rouba da terra tudo quanto necessita. A terra não é sua irmã, nem sua amiga, e depois de exauri-la ele vai embora.” Ou então: “-Não se pode encontrar paz nas cidades do homem branco. Nem lugar onde se possa ouvir o desabrochar da folhagem na primavera ou o zunir das asas dos insetos”. Em relação ao ar, o cacique Seatle escreveu : “-O ar é precioso para o homem vermelho, porque todos os seres vivos respiram o mesmo ar: animais, árvores, homens. Mas não parece que o homem branco se importe com o ar que respira.”
E adverte o presidente : “-Se eu me decidir a aceitar, imporei uma condição: o homem branco deve tratar os animais como se fossem seus irmãos. Sou um selvagem e não compreendo que possa ser de outra forma”. Termina lembrando que “depois que o último homem vermelho tiver partido, a alma do meu povo continuará a viver nestas florestas e praias, porque nós as amamos como um recém-nascido ama o bater do coração de sua mãe. Se te vendermos a nossa terra, ama-a como nós a amávamos. Protege-a como nós a protegíamos. E com toda a sua força, o seu poder, e todo o seu coração, conserva-a para os seus filhos, e ama-a como Deus nos ama a todos” Penso que se o cacique Seattle vivesse hoje, estaria muito triste. O homem branco não tem cuidado nem das terras que o cacique vendeu e nem do planeta como um todo. A Terra está ferida, muito ferida. Não está protegida, nem conservada, nem amada. O ar que era tão precioso para o homem vermelho está poluído. Em cidades como Pequim, os moradores precisam de máscaras para respirar. Com o aquecimento global, surgem incêndios gigantescos como os da Califórnia, extremamente rápidos, agressivos e perigosos, causando tempestades de fumaça e dificultando a respiração das pessoas. Os animais sofrem com o aquecimento global causado pelo homem branco, estão morrendo aos milhares, não são tratados como irmãos. Por exemplo, Clóvis Rossi, colunista da Folha, relata que na Coreia do Sul o calor recorde de 2018 provocou a morte de 4,5 milhões de galinhas, patos, porcos e vacas e na Suíça, uma tonelada de peixes mortos foi retirada dos rios porque a temperatura elevada reduziu o nível de oxigênio da água. Ele cita um estudo recente de cientistas britânicos que afirmam que o efeito dominó em cascata de gelo que derrete, mares que aquecem, correntes marítimas que mudam e florestas que morrem, pode empurrar a Terra para um estado de estufa no qual todos os esforços humanos para reduzir as emissões serão inúteis. O colunista concluiu que a Terra caminha para se transformar em uma fornalha infernal. Ainda bem que o cacique Seattle morreu sem saber disso.
E, como selvagem, ele ficaria horrorizado ao saber da enorme quantidade de plástico que o homem branco joga nos oceanos. A alma do seu povo, que deve continuar vivendo nas suas florestas e praias, deve estar estarrecida com a poluição das águas. Segundo pesquisa divulgada pela ONG International Coastal Cleanup, que passou o ano de 2016 coletando milhões de itens descartados na costa dos cinco continentes, as garrafas de plástico e suas tampinhas são os produtos que mais poluem os mares. Depois delas, as bitucas de cigarro: encontraram 1,86 milhão delas no período da pesquisa. Em seguida, as embalagens de alimentos: 762.000 (principalmente de doces e na costa dos Estados Unidos), as sacolas de supermercado com 520.000, as tampas de copo com 419.000 e os canudinhos, com 409.000.
Pois é, cacique Seattle, os animais do mar também estão morrendo por causa da poluição das águas causada pelo homem branco. E como você escreveu, tudo quanto acontece aos animais pode acontecer também ao homem. E tudo que fere a Terra, fere também os filhos da Terra.

*Bióloga – Uberlândia – MG- anacoelhocarvalho@terra.com.br