Shyrley Pimenta*
Em tempo de propaganda eleitoral, vale a pena ler (ou reler) o Manual do Candidato às Eleições do orador romano Cícero, que viveu no século primeiro a.C. Na obra, o autor aconselha o candidato a buscar o apoio dos amigos e, sobretudo, dos adversários, que se enquadrariam em três categorias: os que foram prejudicados por ele, os que não gostam dele, e os que são íntimos de seu concorrente, ou seja, é preciso seduzir a todos.
Cícero afirma ser preciso conquistar o povo, o que requer, entre outras coisas: conhecer o eleitor pelo nome, usar de bajulação e generosidade, estar sempre presente, despertar a esperança na política. Nada melhor que isso para atrair a simpatia popular. O candidato precisa convencer o eleitor de que age com naturalidade, de que essas características lhe são próprias, treinando para tal, se preciso for. Mais que ser bom e gentil, é preciso bajular; ainda que isso pareça torpe, não pode faltar numa campanha que se preze.
O humor, o semblante e o discurso do candidato devem moldar-se às convicções e desejos do eleitor. Nada de querelas e conflito de opiniões. Há que pedir votos o tempo todo e repetidas vezes, não se esquecendo de nenhum eleitor em potencial. É preciso ser generoso, oferecer rodadas e banquetes para os amigos e grupos específicos pois, ainda que não esteja presente, o povo fica sabendo e elogia atitudes desse tipo. O candidato ganha pontos.
E o romano continua: a porta da casa, o rosto e o olhar devem estar sempre abertos, disponíveis a todos. Mas, adverte Cícero, de pouco vale abrir a porta da casa e ter a alma fechada e reservada. No caso de pedidos, aos quais não se possa atender, há que evitar a todos custo o não. Se isso não for possível, é preciso negar de modo simpático, pois as pessoas de deixam conquistar mais pelo olhar e pelo discurso do que pelo próprio favor. É preferível uma promessa – ainda que mentirosa – a uma recusa. A promessa não cumprida, diz Cícero, pode provocar raiva, mas vai demorar; a raiva é futura e incerta, pode nem acontecer (o eleitor tem memória curta), ou chegar amortecida. Mas a negação provoca irritação, no ato, e o candidato certamente vai angariar inimigos a curto prazo. No íntimo, acrescenta o orador, as pessoas preferem uma mentira a uma recusa.
Há que dominar a massa: responder amavelmente, servir zelosamente aos amigos, arrebanhar muita gente com a esperança de proteção, angariar amigos que espalhem aos quatro ventos excelentes relatos sobre o candidato. Além disso, há que cuidar para que a campanha seja pomposa, brilhante, esplêndida e popular, que tenha uma imagem e prestígio insuperáveis. E que surja, se houver base para tal, uma acusação de crime ou corrupção contra o rival.
Como veem, o discurso do romano continua atualíssimo. Pobre do eleitor que não desenvolver seu senso crítico, sua perspicácia, sua habilidade para ler nas entrelinhas, esforçando-se para conhecer e rever a trajetória do candidato. Precisamos de governantes capazes de perceber, além da ovação, do aplauso e da vassalagem, as falhas, as distorções, enfim, as situações que requerem do poder público ações corretivas urgentes e inadiáveis. Precisamos separar o joio do trigo. Precisamos acreditar, com veemência, que o trigo humano é mais importante, muito mais importante que o humano joio. E sobre este precisa prevalecer.
Psicóloga Clínica e Professora – Uberlândia – MG