Gustavo Hoffay*
Eu e meu pai Fernando, por diversas vezes, já havíamos alcançado aquele nosso destino de uma maneira muito mais rápida e convencional. Para tal bastava que ele apontasse o pára-choque dianteiro do seu carro em direção ao norte, avançássemos pela antiga BR-040 a partir de Belo Horizonte e seguíssemos por asfalto até à nossa fazenda em Gouveia, agradabilíssima cidade situada no portal sul do Vale do Jequitinhonha e cuja viagem, naquela época , consumia aproximadamente quatro horas enquanto passando por Pedro Leopoldo, Prudente de Morais, Sete Lagoas, Paraopeba, Inimutaba, Paraúna e Curvelo. Naquele mês de julho do ano de 1.969, o meu pai comemorava a realização de um desejo pessoalíssimo: ter uma Rural Willis na garagem; não uma Rural Willis qualquer mas “ A Rural”; aquela que havia sido redesenhada e montada para servir a USIS-United States Informations Services e que, após breve tempo de serviço em um consulado norte americano, meu pai arrematou em concorrido leilão na capital mineira. Contudo, naquela manhã de julho, ao sairmos de Belo Horizonte em direção a Gouveia, ele não tomou o costumeiro rumo norte e da maneira que comumente fazia; partiu na direção nordeste e eu, com os meus doze anos de idade, logo percebi que o espírito aventureiro daquele meu “velho” – nortista de Turmalina(MG) e filho de Noemi e José Justino – estava atinado, fazia-se novamente presente e de maneira surpreendente. Após quase uma hora de viagem chegamos a Vespasiano; de lá rumamos para Lagoa Santa e duas ( ou três?) horas depois já começávamos a desfrutar da surpreendente Serra do Cipó, deleitando-nos com paisagens absolutamente fantásticas que surgiam à nossa frente. Naquela sua Rural Willis e sempre trafegando por estrada de terra (MG10) – previamente pesquisada de modo a garantir um pouco mais de tranqüilidade e segurança naquele nosso insólito roteiro, chegamos a Conceição do Mato Dentro e depois – sem pressa alguma, ao Serro, Lapinha, Trinta Réis, Milho Verde, Cachimbo, Datas e finalmente Gouveia, não sem antes pararmos em um muito modesto restaurante – bem próximo a uma jazida de Mármore ainda na Serra do Cipó- e onde saboreamos uma deliciosa e típica refeição mineira. Uma viagem deslumbrante em todos os sentidos e que oferecia-me, além de tudo, a oportunidade de conversar e rir com o meu pai durante horas seguidas, o que era quase impossível de ocorrer em situações comuns e cotidianas em nossa casa, na capital mineira, tendo em vista os seus compromissos diários de jornalista, professor, radialista e chefe do serviço de relações públicas do (antigo) INPS (hoje INSS). Morros e planalto salpicados de Sempre Vivas, Ipês e Quaresmeiras em meio a rochas dos mais variados tamanhos e formas, tornavam ainda mais deslumbrante aquela nossa epopéia pela Serra do Cipó. Àquela época já contava-se histórias sobre um tal “Juquinha”, homem que vagava pelos campos daquela serra, colhendo flores e raízes para oferecê-las aos turistas, vende-las ou trocá-las por comida; enfim, um famoso personagem da cultura regional e que anos depois da nossa passagem por aquela serra, foi homenageado com uma estátua de três metros de altura e esculpida pelas mãos da artista plástica Virginia Ferreira. Foi uma das primeiras vezes em minha vida que senti uma estranha e gostosa sensação de liberdade e enquanto iniciando a minha incursão na fase adolescente, pois longe da população, da poluição e do burburinho da grande capital mineira, eu provava da verdadeira essência da típica e surpreendente natureza mineira. Depois daquela indescritível viagem pelo Jardim do Brasil, título dado àquela serra por um paisagista de nome Burle Marx, em 1.950, tomei ainda mais gosto pelo ambiente rural; passei a escolher – a dedo – alguns dos mais viáveis, práticos e econômicos roteiros para conhecer a “minha” Minas Gerais; caminhei sobre a crista da Serra da Moeda na altura da Lagoa dos Ingleses em Nova Lima, escalei o Pico do Itacolomi em Ouro Preto, visitei comunidades quilombolas no norte do estado e onde pude presenciar simples e espontâneas manifestações do folclore local, subi e desci ladeiras de algumas tradicionais cidades históricas de Minas Gerais, além de adentrar três das nossas mais deslumbrantes grutas: Maquiné, Lapinha e Rei do Mato. E o que falar do Museu do Diamante em Diamantina e dos museus do Conto e da Inconfidência em Ouro Preto, além das seculares igrejas de cidades diversas? Fantásticos! E para fechar com chave de ouro esse périplo pela nossa linda, rica e sempre surpreendente Minas Gerais, ainda adolescente segui em direção a Itamarandiba, Capelinha e Minas Novas por estradas de terra e também na companhia do meu pai, que fazia aquela viagem a serviço do Funrural em um fusquinha preto, chapa branca e dirigido pelo motorista (Saulo). Região, aquela, onde pude comprovar a extrema simplicidade da sua gente e também o aperreio pelo qual passava a maior parte do seu povo, já sofrido em função da seca e de uma quase total falta de atenção política, salvo algumas intervenções de um famoso filho daquela região: o então senador biônico Murilo Badaró. Oh, Minas Gerais de tantos morros, rios, regatos, prados, cascatas, campinas, riachos, represas e cachoeiras! Hoje a quase totalidade daqueles trechos que percorri, no final da década de sessenta está totalmente asfaltada e, de certa forma, foram quebrados bucólicos encantos daqueles trechos no coração de Minas e pelos caminhos do Vale do Jequitinhonha, de exuberante beleza natural e riqueza cultural, com nítidos traços das culturas negra, indígena e portuguesa. Caminhar por Minas, colocar os pés em trilhas riquíssimas de histórias, emolduradas por extraordinárias paisagens e povoada por gente humilde e culturalmente diferenciada é, sem dúvida alguma, uma das melhores opções para quem deseja aventurar-se de maneira absolutamente sadia, barata e muito segura pelas nossas seculares tradições. Submergir na cultura de Minas, prosear com a sua gente e degustar das suas iguarias é, enfim, uma “aventura sem iguar”. Em breve pretendo refazer aquele mesmo trajeto e desta feita na companhia das minhas esposa e filha, pagando-lhes uma antiga promessa de percorrerem comigo aquela deslumbrante região mineira e onde à noite, duendes, fadas e gnomos – na companhia do Juquinha, devem reinar felizes e solitários por entre rochas,canyons e Sempre-Vivas.
*Agente Social-Uberlândia-MG