Ana Maria Coelho Carvalho*

Eu pretendia escrever a crônica “A menina que roubava livros”, fazendo uma análise do livro, do filme e do nazismo. Mas é um texto que exige concentração e não consigo porque a Duda não deixa.
Ana Maria Coelho Carvalho*

A Duda é a minha cachorrinha yorkshire de três meses. Quando estou no computador, ela fica mordiscando os meus pés, arrancando o fio da tomada e roendo minhas sandálias havaianas. Ou então, dando saltos na outra cachorrinha york, a Sissy, também de três meses, mas de outra ninhada. Ela é minúscula, um projeto de cachorro, insignificante, sem presença nenhuma. A Duda finca os dentes com força no pescoço dela e a arrasta pelas perninhas, tenho que socorrer. Quando a situação está muito tensa, prendo a Duda em algum local e ela fica latindo baixinho e unhando a porta, é dramático.

Comprei as duas porque estava muito triste com o desaparecimento da Mel, minha companheira york de oito anos e realmente um doce. Não sabia qual escolher e resolvi ficar com as duas para decidir depois. O problema é que a Duda ficou gigante e destrambelhada, mesmo tendo pedigree e tendo custado caro. Ela rói tênis, morde fios de tomadas, arrasta roupas, some com os sapatos, rola nas plantas do jardim e escapa como flecha pro meio da rua. Só a chamam de doidona, coitadinha. E a Sissy ficou tão pequenina que nem existe. Todos pensam que são mãe e filha, mas mãe nenhuma faria o que a Duda faz com a Sissy. E para agitar mais, a netinha de três anos, que adora as cachorrinhas ao seu jeito, inferniza a vida delas. Espreme a Sissy, sacode, joga a Duda pra cima, mistura milho, pedrinhas e feijão cru na ração, deita na caminha delas. E se é repreendida, chora copiosamente. Por tudo isso, a família anda nervosa e querem que eu dê um sumiço na Duda. Mas não tenho coragem de doar, nem de vender, nem de emprestar. Dai, pensei em negociar e tive uma ideia genial: poderia dar a Duda para uma minha amiga que gosta de cachorros. Eu poderia visitá-la sempre e trazê-la para passear aqui em casa. Quando ela fosse reproduzir, eu cuidaria de tudo e ficaria com dois filhotes, para cobrir os investimentos e a trabalheira. Entusiasmada, contei para a família a solução encontrada. Comentaram que a Duda seria um presente de grego, que eu não podia fazer isso com uma amiga. Ou seja, arrasaram com a Duda e com minha ideia genial.

Assim, a confusão continuou. Pensei então na heterogeneidade das famílias atuais, pois ao lado do clássico modelo de avós, pais e filhos, existem vários tipos. Tem família com vários filhos de casamentos anteriores, pais homossexuais com filhos, avós com filhos-netos, só mãe e filhos, só pai e filhos, etc. Como os conflitos fazem parte da natureza humana, deve haver muita confusão em todas elas. Se acrescentar dois cachorros e uma menininha espoleta, complica mais ainda. Lembrei-me novamente do caso do bode: existia uma família imensa, com pais, filhos, sogra, tios, sobrinhos, cachorros e gatos, todos juntos em uma pequena casa. O pai, não suportando mais, foi pedir conselho a um padre, que o orientou a colocar um bode dentro de casa. O homem ficou horrorizado, mas assim o fez. O bode destruía tudo, chifrava as pessoas, defecava pra todo canto. A situação estava uma loucura e o homem procurou o padre novamente. Este o mandou retirar o bode de dentro da casa. Pronto, reinou a paz.

Acontece que no caso em questão, não posso retirar a Duda. Nem a Sissy. Nem a neta. Nem outra pessoa da família. Ando aceitando sugestões…

*Bióloga – Uberlândia – MG – anacoelhocarvalho@terra.com.br